IAB: A irreparável perda do Museu Nacional

Em carta aberta, Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) lamenta a destruição do Museu Nacional


Foto: Renee Rocha / Agência O Globo

Em texto divulgado na segunda-feira, 3 de setembro, o presidente nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Nivaldo Vieira de Andrade Junior, lamenta a perda do Museu Nacional e a classifica como irreparável. A instituição central da cultura e da ciência brasileiras localizada no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, foi destruída por um incêndio na noite do último domingo, 2 de setembro.

Confira a carta aberta na íntegra:

A IRREPARÁVEL PERDA DO MUSEU NACIONAL
 
O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), cumprindo sua missão de contribuir para o desenvolvimento técnico-científico e sociocultural do país e para a preservação do patrimônio cultural nacional, lamenta profundamente pela perda irreparável do Museu Nacional, instituição central da cultura e da ciência brasileiras localizada no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, que ardeu em chamas na noite do último dia 02 de setembro.

O incêndio da Quinta da Boa Vista não somente deixou em ruínas um conjunto arquitetônico declarado patrimônio nacional, mas também destruiu milhões de peças e documentos históricos pertencentes ao seu acervo, que estavam entre os mais representativos da história brasileira, de relevância mundial. Trata-se, portanto, de uma perda irreversível, que está sendo lamentada por todos que se preocupam com a cultura e a memória brasileiras, no país e no exterior.

A destruição do Museu Nacional, no ano em que completa 200 anos de fundação e 80 anos de tombamento, é resultado da expressiva redução, observada nos últimos anos, nos investimentos em cultura, educação e ciência. Os problemas decorrentes da escassez de recursos para sua manutenção eram amplamente conhecidos, tendo sido objeto, nos últimos anos, de diversas matérias publicadas pela imprensa nacional. Um orçamento de menos de 14 mil reais mensais para a manutenção de um equipamento dessa importância é representativo da ausência de compreensão da sua importância para a história, a cultura e as ciências brasileiras. Demonstra ainda a escassa aplicação de recursos no custeio das políticas culturais e científicas, um cenário que tende a se agravar com medidas de austeridade que congelam investimentos nestes setores pelas próximas décadas.

Apesar da existência, há 81 anos, de instituições e leis voltadas à preservação do patrimônio cultural nacional, a efetiva salvaguarda dos nossos bens culturais esteve sempre limitada pelos reduzidos recursos humanos e econômicos destinados a essas ações. O Museu Nacional, por exemplo, não dispunha das instalações necessárias para prevenir e combater incêndios, que certamente teriam levado o recente incidente a um outro desfecho, menos traumático.

Para denunciar o abandono ao qual o patrimônio cultural brasileiro encontra-se relegado, o IAB e instituições parceiras promoveram, há pouco mais de duas semanas, um “abraço ao patrimônio”, que envolveu centenas de pessoas em 27 localidades de 13 Estados, de Presidente Figueiredo, no Amazonas, a Santana do Livramento, na divisa do Rio Grande do Sul com o Uruguai.

É preciso aprender nos momentos de crise. O Centro Histórico de Quito, primeiro sítio urbano do mundo a ser inscrito na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, foi atingido por um terremoto devastador em março de 1987; no final do mesmo ano, aproveitando a comoção nacional provocada pela destruição, foi criado no Equador o “Fundo de Salvamento do Patrimônio Cultural”, que instituiu a mais exitosa experiência de preservação do patrimônio urbano na América Latina, referência nos últimos trinta anos ao garantir os recursos necessários para a preservação da memória nacional equatoriana.

Frente à perda do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, o IAB conclama a sociedade e as instituições preocupadas com a preservação da nossa cultura e da nossa memória a exigir da Presidência da República e do Congresso Nacional a imediata criação de um fundo permanente, gerido pelo IPHAN e pelo IBRAM, que garanta a manutenção dos museus nacionais e a preservação do nosso patrimônio cultural, independentemente dos interesses políticos de cada momento.

Do mesmo modo, devemos exigir dos candidatos à Presidência e ao Congresso Nacional que se comprometam com a criação e manutenção desse fundo. Recentemente, o IAB e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) divulgaram a “Carta Aberta dos Arquitetos e Urbanistas aos Candidatos nas Eleições de 2018 pelo Direito à Cidade”, que já apresenta propostas neste sentido e que está sendo entregue aos candidatos de todos os partidos, em todo o Brasil. A proposta de criação de um fundo permanente de preservação do patrimônio cultural vem detalhar essas propostas.
 
Salvador, 03 de setembro de 2018

Nivaldo Vieira de Andrade Junior
Presidente Nacional do IAB