Fotos: Leo Aversa

Miguel Pinto Guimarães

A arquitetura de Miguel Pinto Guimarães é caracterizada pela ausência de estilo. Para ele, o que importa é o entendimento da paisagem local, das particularidades do clima e da flora, o que o motiva a pesquisar como os povos antigos equacionaram essas questões de contexto. Autodefine o cerne da sua arquitetura, assim, como sendo a busca por interpretar o tradicional morar brasileiro (a oca indígena e a casa colonial portuguesa), incorporando a ele o repertório modernista, e está convicto de que “antes de arquitetos, temos que ser humanistas. Cuidar do indivíduo, da escala humana. Nossa arquitetura deve estar a serviço do homem, e não o contrário. Penso que esta simplicidade ética atropela estilos, épocas e se sobrepõe ao tempo”. A seguir, os momentos principais da sua carreira, antes e depois de constituir o escritório Miguel Pinto Guimarães Arquitetos Associados, e um apanhado dos projetos desenvolvidos pelo seu escritório. Com inspiração, mas, principalmente, com muita dedicação.

Miguel Pinto Guimarães é um trabalhador obstinado. Começou na arquitetura aos 15 anos estagiando com o arquiteto Cadas Abranches, no Rio de Janeiro, de onde saiu depois de um ano para trabalhar no escritório de Claudio Bernardes e Paulo Jacobsen, na mesma cidade. Lá, juntou-se a Thiago Bernardes, seu amigo de infância e filho de Claudio, tendo ambos permanecido no trabalho de 1989 a 1994, um ano depois de ingressarem na faculdade de arquitetura – Miguel na Universidade Federal do Rio de Janeiro e Thiago na Universidade Santa Úrsula. Já no primeiro ano letivo, as encomendas de projetos feitas à dupla a encorajou a abrir escritório próprio, que prosperou rapidamente.

Em 2001, porém, o trágico falecimento de Claudio Bernardes mudou o rumo da história, tendo ambos migrado para o escritório Claudio Bernardes Jacobsen na condição de sócios de Paulo Jacobsen. E assim permaneceram até 2003, quando Miguel alçou voo próprio, constituindo o escritório Miguel Pinto Guimarães Arquitetos Associados – Thiago faria o mesmo anos depois, em 2012.

Acompanharam-no na empreitada as arquitetas Adriana Moura, sua companheira de prancheta desde os anos 1990, e Renata Duhá, ambas sócias do escritório MPGAA. “Com o tempo”, relata Miguel, “nossos chefes da época vieram a ser nossos funcionários e sócios. Além de Adriana Moura, Silvana Carvalho (sócia hoje do Erick Figueira de Mello), Adriana Saggese e Marcia Santoro (sócia hoje do Thiago) já foram de tudo nos nossos escritórios: nossas chefes, funcionárias, sócias. Foram inúmeros os colegas que viraram amigos concorrentes, com quem descobrimos e aprendemos essa nossa profissão.”

 

 

Sou um pouco contra essa estilização. Nosso país e o mundo são tão diversos que não cabem em um único estilo. O meu trabalho tem um olho voltado para o entorno e o outro para o passado. Persigo o projeto da melhor Casa Brasileira.

 

Para Miguel, assim, a arquitetura se constrói coletivamente, da somatória das experiências e habilidades de cada profissional, o que o faz recordar‑se com as seguintes palavras, de alguns dos colegas com quem já trabalhou: “A magia de convencer o cliente. Essa era a maior virtude do Claudio Bernardes. Observá-lo em ação era uma aula de humanidade, algo muito maior do que a arquitetura”.

De Paulo Jacobsen, destaca “a habilidade de administrar uma potência com quase 100 projetos em andamento [o escritório Claudio Bernardes Jacobsen] com menos de 30 anos de idade” e, sobre Thiago Bernardes, ele diz: “Sempre fomos complementares em nossas diferentes personalidades e isso tanto enriquecia o nosso trabalho quanto levou ao nosso afastamento. Eu sou mais expansivo, o Thiago mais contido. Admiro muito e confesso que invejo um pouco a sua honestidade e integridade. Thiago é incapaz de alterar um projeto em que ele acredita ou aceitar trabalhar com um cliente com quem não concorde. Muitas vezes sinto falta do seu olhar parceiro e crítico que me forçava a abandonar um caminho de projeto que eu sabia que estava ruim e no qual perderia precioso tempo. Naturalmente a nossa arquitetura tem muitas semelhanças. Tivemos o mesmo mestre, Claudio Bernardes. Mas acho que o que mais nos aproxima é projetarmos de dentro para fora. É privilegiarmos a função e não a forma. Quando um projeto está bem resolvido em suas proporções e espaços, sua forma naturalmente será harmônica e bela. Outra característica comum é a incessante busca pela simplicidade. Hoje temos a segurança de saber que o melhor projeto será sempre o mais simples”. Uma fala elucidativa das bases do seu próprio trabalho.

 

Em andamento

O escritório MPGAA conta atualmente com cerca de 25 integrantes entre as unidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ele é liderado por Miguel, Adriana Moura e Renata Duhá, a primeira comandando o departamento de Arquitetura de Interiores e Decoração, e a segunda, sócia desde 2006, administra o escritório. Já a arquiteta Natália Lopes coordena a área de Arquitetura, atuando ao lado de Miguel no desenvolvimento dos projetos.

Nos quase 16 anos de existência do escritório foram cerca de 400 projetos já elaborados pela equipe, grande parte de residências, mas também muitas lojas, restaurantes e, mais recentemente, trabalhos de maior escala e clientes de naturezas diversificadas. Estão na prancheta do MPGAA dois hotéis – o Hotel Joá, no Rio de Janeiro, e o Hotel Porto do Messó, em Una, na Bahia, que integram a seção Perfil -, um edifício residencial na orla do Leblon e o Mercado do Porto Carioca, que será um polo gastronômico instalado no chamado Edifício Touring (um galpão localizado defronte à Praça Mauá).

Fotos: Leo Aversa

Além disso, estão sendo concebidos os masterplans de dois clubes, um no Rio de Janeiro (Clube dos Caiçaras) e outro em São Paulo (Sociedade Hípica Paulista), e para maio próximo se prevê o lançamento do primeiro projeto que tem Miguel no duplo papel de arquiteto e empreendedor, ao lado de Sergio Conde Caldas: um condomínio de oito casas de luxo no Jardim Botânico (RJ), denominado Opy Ará.

Os trabalhos costumam ser desenvolvidos pelo escritório desde o estudo preliminar até o projeto executivo, detalhamento e compatibilização dos projetos complementares, além do acompanhamento da obra. Dentre as poucas exceções, lamenta o arquiteto, estão projetos do mercado mobiliário: “Principalmente no Rio de Janeiro, ainda há o tacanho fatiamento do projeto de arquitetura visando maiores lucros. Isso tem mudado muito lentamente. Hoje, algumas empresas já entendem o diferencial de um bom projeto, dos bons espaços que só um bom arquiteto pode criar. Para que essa mudança se intensifique é preciso que se eduque o olhar. É importante que os consumidores entendam a diferença entre a boa arquitetura e a ruim e rejeitem a segunda”, ele reflete.

Sobre a multiplicidade de projetos de sua autoria, o arquiteto reforça não ser especializado em residências “embora elas sejam maioria no portfólio e a tipologia de projeto com a qual tenho maior facilidade e domínio. É impressionante como, com a experiência, a topografia te diz, à primeira vista, como deve ser a casa e eu respeito muito essa primeira impressão. Mas tenho a opinião de que o arquiteto capaz de observar e de pesquisar consegue fazer qualquer projeto. Outra regra básica é entender a escala humana, saber que o usuário final de todo projeto de arquitetura ou de urbanismo é o indivíduo. Quando se domina essa escala, qualquer arquitetura é projetável”, o que se confirma com a concepção, pelo seu escritório, também de prédios residenciais e comerciais, muitos restaurantes e lojas, alguns hotéis, escolas, museus, arenas esportivas, galerias de arte, parques e projetos urbanos.

 

Aliás essa nossa versatilidade é o que nos ajudou a passarmos pela crise comercial do último ano. O perfil dos nossos projetos mudou bastante para se adaptar aos clientes e ao mercado”, diz Miguel.

 

Referências

Além da importância de ter convivido com diferentes personalidades criativas e da admiração que confessa ter pelo trabalho de outros colegas arquitetos, no Brasil e ao redor do mundo – dos portugueses Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura à Rem Koolhaas e Norman Foster, passando por japoneses contemporâneos e, entre outros, por Frei Otto e Sérgio Bernardes -, Miguel cita a importância que as artes plásticas têm para a sua arquitetura “ao expandir os nossos poros para novas temáticas formais, cromáticas, espaciais. Nomes como Raul Mourão, Vik Muniz, Adriana Varejão, Bia Milhazes, Luiz Zerbini, José Bechara, Carlos Vergara, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Lygia Clark, Richard Serra, Donald Judd tem enorme influência sobre o meu trabalho. A arquitetura, assim como a arte, também tem a função de educar o olhar”. As referências ajudam a expandir a criatividade, mas a dedicação ao trabalho é também fundamental.

“Se a inspiração não vier, ao nos sentarmos na prancheta para projetar, alguma coisa boa dela sairá. Uma revelação importante… ainda uso prancheta!”, relatou-nos o arquiteto. Uma obstinação que, aliás, vem da infância. Sempre teve a certeza de que seria arquiteto. Desenhar foi a sua obsessão de criança, a sua praia, o seu campo de esporte. “Não surfava, não jogava bola. Desenhava. De sexta a domingo, até de madrugada”, relembra Miguel.

Da série de personagens – quase uma centena, recorda-se – que habitavam a sua imaginação, ao milionário é que endereçava os mirabolantes desenhos de grandes barcos (um de pesquisa e outro de passeio) e de cidades sobre rodas fragmentadas em cenas do cotidiano – urbano, natural e doméstico – que impressionam pela capacidade de observação e criatividade do jovem autor.

Acredito que esse universo fantasioso permanece como parte do seu trabalho, no que diz respeito à crença – tanto utópica quanto empreendedora – de que tudo pode ser criado, aliada a sua personalidade expansiva. Talvez tenha sido no teatro que o arquiteto tenha recuperado, na idade adulta, a magia dos desenhos da infância. Pelas mãos de Maneco Quinderé, seu amigo de longa data e parceiro constante dos projetos do MPGAA, é que Miguel começou a desenhar, em 2011, cenários para musicais, shows, óperas.

“O teatro me trouxe amigos, me traz a experimentação, a liberdade e a fantasia que oxigenam a minha arquitetura. Transformou em parte da minha carreira o mais prazeroso passatempo. Adicionou ao meu repertório de rodapés, vigas e pilares, as bambolinas e rotundas”, conclui o arquiteto.

 

Entrevista

Você começou a estagiar muito cedo, aos 15 anos de idade. O que lhe dava a certeza de que seria arquiteto?
Desde criança desenhava cidades, barcos, casas. Foi natural começar cedo na arquitetura, primeiro estagiando com o Cadas [Abranches] e depois no escritório do Claudio Bernardes. Thiago [Bernardes] era meu amigo de infância e já estava lá. Pensando nisso hoje, era uma temeridade dos titulares do escritório delegar trabalhos importantes a dois jovens imberbes e menores de idade. Mas éramos tratados e cobrados como profissionais e nos dedicávamos àquele trabalho com muito empenho. Aprendi segredos e lições que ainda hoje guiam a minha produção.

Como analisa a experiência de ter ingressado na faculdade já com um escritório próprio estabelecido, junto com Thiago Bernardes?
Eu me formei aos trancos e barrancos, com atraso de dois períodos. Estávamos tomados pelo trabalho e nos faltava tempo para os estudos. Chegávamos à situação surreal de contratar alguns professores como projetistas complementares de cálculo, elétrica, paisagismo. Eu só tinha o maior cuidado ético de não contratar professores do período que cursava! Tínhamos sucesso profissional, ganhávamos algum dinheiro (se é que não dá pra dizer que arquiteto ganhou algum dinheiro alguma vez…), mas perdemos a parte mais romântica da profissão. No entanto, nunca perdi o contato com a academia. Muitos professores passaram a ser meus colegas, associados em alguns projetos, principalmente Aníbal Coutinho e Antonio Paulo Cordeiro. Mas sem dúvida o saldo é positivo. Aprendemos demais na prática! E exercitamos por anos, precocemente, o que talvez seja mais difícil nessa profissão: o trato com o cliente e a prospecção de novos trabalhos.

Mas quais são suas memórias da faculdade? Que ensinamentos restaram no tempo?
O contato com as pessoas. Vivíamos em um ambiente acadêmico bastante fértil. Talvez um dos últimos dos bons anos da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Mantenho forte amizade e contato com excelentes profissionais que foram colegas de sala de aula. Extraordinários arquitetos, urbanistas, pensadores da arquitetura. Posso citar Pedro Rivera, Pedro Évora (RUA Arquitetos), Rodrigo Azevedo (AAA). Évora e Azevedo se aventuraram no poder público. Rafael Patalano, Duarte Vaz e Isabela Ono (dois grandes paisagistas), Bruno Jacobson (Domus Arquitetura, uma das maiores empresas de 3D do país), Celio Diniz e Thiago Gualda (DDG) e Washington Fajardo, que se tornou, para mim, um dos maiores críticos e pensadores da arquitetura, do patrimônio e de políticas públicas.

Como está estruturado o seu escritório?
Hoje todos os nossos arquitetos são associados e recebem um percentual do faturamento sem nenhum valor fixo. As sócias com maior participação e que fazem parte da administração são Adriana Moura e Renata Duhá. Eu faço basicamente a prospecção dos clientes e os estudos de arquitetura. A partir daí as equipes de arquitetos assumem. Eu sigo atendendo os clientes junto com elas e estou sempre disponível para resolver problemas de projeto e obra. Importante citar Natália Lopes, a nossa coordenadora de arquitetura e meu braço‑direito, associada ao escritório há seis anos.

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