Arquitetos dão opinião sobre Parque Minhocão em São Paulo

Entenda a proposta e as considerações feitas por parte da comunidade de arquitetura e urbanismo paulistana

Novo projeto proposto para o elevado Presidente João Goulart (Imagem: divulgação)

Em 21 de fevereiro de 2019, a Prefeitura de São Paulo divulgou o estágio do processo de implantação do Parque Minhocão no elevado Presidente João Goulart. Tendo em vista que o assunto rende discussões desde os anos 1970, esta reportagem busca esclarecer o panorama atual da proposta do município e trazer, em sequência, reflexões de alguns nomes da arquitetura e do urbanismo paulistanos.

 

A proposta

Em 21 de fevereiro, a Prefeitura de São Paulo divulgou o estágio do processo de implantação do Parque Minhocão no atual elevado Presidente João Goulart – que une a Avenida Radial Leste-Oeste (centro) à Avenida Francisco Matarazzo (zona oeste). Subdividido em três etapas, o projeto prevê gasto de R$ 38 milhões e entrega para até dezembro de 2020. As referências e o conceito urbanístico serão baseados no trabalho do arquiteto Jaime Lerner – que incluem material modular, uso institucional no baixo do viaduto e intervenções de integração entre os espaços.

Para a primeira fase, o Ministério Público recomendou a realização de obras de segurança e acessibilidade, inserindo nove pontos que variam entre elevadores e escadas, além de estruturas de proteção, com previsão de conclusão até o final de 2019. O trecho da intervenção está compreendido entre a saída da Ligação Leste-Oeste até o entroncamento com a Avenida São João.

A reconfiguração do trânsito local, ainda em estudos pela Companhia de Engenharia do Tráfego (CET), prevê, para o sentido dos bairros de Perdizes e Barra Funda, um trajeto que segue pela Avenida Amaral Gurgel e acessa o elevado próximo à Rua Helvétia, nos Campos Elíseos. Já em direção à Zona Leste, o caminho será interrompido na passagem para a Rua Sebastião Pereira, na Vila Buarque.

A segunda fase diz respeito à implantação de 900 metros lineares de parque – entre a Praça Roosevelt e o Largo do Arouche, ali definido por ser favorável à conexão com outros espaços públicos de lazer – prevendo 17,5 mil metros quadrados, que incluem jardins, floreiras e deques em composição modular pré-fabricada.

As interdições intermitentes já vinham ocorrendo no elevado. O último Plano Diretor Estratégico (PDE), de 2014, incluía uma lei específica para gradual restrição ao transporte veicular, definindo prazos para sua completa desativação como via de tráfego. Em maio de 2017, a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) recebeu a doação do projeto concebido pelo Escritório Jayme Lerner.

Com aprovação da Lei Municipal nº 16.833, de 7 de fevereiro de 2018, estabeleceu-se a desativação do elevado como via de circulação e foi estimulada a realização de atividades culturais e esportivas nos períodos de interdição ao tráfego. Além disso, seria obrigatória a proposição de transformá-lo em parque, parcial ou totalmente, através de Projeto de Intervenção Urbana (PIU).

Assim, o Projeto Estratégico Elevado Presidente João Goulart e Entorno foi relacionado no escopo do PIU do Setor Central, proposto para os distritos centrais da Santa Cecília, República, Sé, Bom Retiro, Pari e Brás, além do eixo viário composto pelas Avenidas Amaral Gurgel, São João e General Olímpio da Silveira.

Em consulta pública prévia do PIU do Setor Central, a partir da qual se iniciou o processo participativo de discussão das propostas de intervenção urbana, esse projeto estratégico foi considerado merecedor de regramentos urbanísticos específicos para melhor aproveitamento da estrutura.

As considerações

Vinícius Andrade, titular do escritório Andrade Morettin

“A primeira questão é como o projeto se apresentou. Eu o conheci pelo jornal e isso, para mim, já mostra um ‘alerta amarelo’, porque faltou comunicação. Nesse caso, como é uma questão tão importante para a região central, é uma falta grave. Portanto, posso dizer que o conheço superficialmente.

Do que vi do projeto, fico com uma dúvida central: ‘para que se destina isso que estão chamando de parque?’. E pergunto porque, normalmente quando se pega um projeto, o desafio é tentar interpretá-lo e chegar nos porquês e não ficou claro, para mim, qual é o objetivo deste. É para uso dos moradores locais? É para atrair gente de outros lugares? É para qualificar a região? Mas nenhuma dessas três coisas está sendo atendida no projeto. Depois de fazer uma rápida análise, a dúvida permaneceu sobre o que é esse parque e sobre o que ele vai oferecer para nós.

Acho que isso tem a ver com a forma com que foi conduzido o próprio projeto. Quando se faz uma consulta pública com a população, os moradores locais, acaba-se construindo o programa de forma mais consistente e o projeto será, no final, uma resposta ao programa. Eu acho que foi feito um projeto sem ter o programa.

Se é para esportes, não funciona. Se é para os moradores [dos prédios adjacentes] descerem e terem um lugar para ficar, acho que fechar o minhocão inteiro por causa de um quintal de 900 metros, não funciona. Se é para qualificar o lugar, tenho muitas dúvidas, porque o programa principal, que está embaixo, nem foi considerado.

É difícil julgar o desenho do Jaime Lerner que, inclusive, é um desenho bonito. É difícil julgar se eu não sei a que se destina. Então, o projeto de ação tem um erro crasso, que é uma falta de embasamento. É quase que uma primeira impressão (…). Se um projeto público não tem destino claro, ele está fadado ao abandono (…). Como urbanistas, não podemos desenhar antes de pensar, e é o que foi feito”.

Maira Rios, coordenadora da Pós-Graduação “Arquitetura, Educação e Sociedade”, na Escola da Cidade – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

“O caso de ser trabalhado apenas um trecho do minhocão é estranho. Uma outra questão é que já teve o concurso, já houve os premiados e o projeto escolhido. Parece que ele foi ‘apagado’ e então, de repente, apareceu um projeto que não estava nesse concurso e é direcionado a este lugar.

Como não sabemos sobre os desenhos do projeto, não tem nem como saber se ele é viável ou não. Não temos como avaliar. Acho que deveria ter um chamamento público para apresentação dele (…)”.

Fernando Forte, titular do FGMF Arquitetos Associados

“Acho que é uma ótima notícia. Usar o minhocão como equipamento urbano é uma ideia que vem há muito tempo e, finalmente agora, parece ter encontrado uma prefeitura que vai levá-la para frente. Eu, no entanto, não concordo com a forma como está sendo feita. Na minha opinião, o ideal seria fazer um concurso público para ter um projeto coeso e que vá além do viaduto: como vão ser tratadas as áreas inferiores a ele? Será que alguns trechos devessem ser retirados e conectados por passarelas metálicas mais leves para iluminar embaixo e permitir saída de poluição? Como ficará o trânsito da cidade? Quais políticas urbanas poderiam ser usadas para evitar a gentrificação total do bairro? Talvez pensar até uma Operação Urbana para lidar com toda a especulação imobiliária que acontecerá quando esse equipamento for instalado.

Acho que, além dos problemas da própria estrutura ‘minhocão’, tem a cicatriz na cidade que divide o tecido urbano mentalmente. Só colocar um parque não iria resolver essa questão. Na minha opinião, é louvável a Prefeitura querer implantar o projeto, mas é necessário algo mais holístico, que leve uma série de coisas em consideração e que dialogue mais com a sociedade.

Eu estudei o projeto recém-anunciado e me parece ser algo muito superficial e que também desperdiça o potencial de intervenção em uma estrutura tão grande como essa. O High Line, em Nova York, usado sempre como comparação, é algo muito diferente do que temos aqui. Nós temos a oportunidade de criar algo incrível que passe por gerações, mas isso envolve engenharia, políticas sociais, algo muito além de somente colocar coisas em cima dele”.

Cesar Shundi, titular do escritório SIAA Arquitetos

“Têm dois aspectos que acredito ser importante citar. O primeiro que se trata de um tema, lugar e problema da cidade que tem sido amplamente discutido pela comunidade de arquitetos e pela população. Por isso, não é fruto de uma ideia genial ou algo importado, mas algo que diz respeito a uma conquista.

A segunda parte é o caráter eleitoreiro. Os nossos governantes têm como cultura a ideia de que as obras têm de ser inauguradas e feitas em uma única gestão. A gente sabe que em termos arquitetônicos e urbanísticos, quatro anos não representam nada. Então, se de fato um governo quer fazer uma boa gestão, tem que dialogar, ouvir, conciliar, propor e construir, inclusive, o que a outra gestão deixou em andamento (…). Então, talvez, a polêmica dessa divulgação seja por conta do modo como as coisas foram gestadas e construídas.

Também considero a questão de que ninguém está pensando em pegar um parque e pôr uma via expressa. Está se falando justamente o contrário. Então não considero isso como pouco, justamente por ser uma possibilidade de diminuir os impactos de uma estrutura feita para os carros.

Acho que a polêmica do ‘tirar ou não tirar?’ é muito simplista. Acho que é mais para algo de ‘pôr o que no lugar?’. Também dá para entender que as imagens são muito preliminares, é um projeto que mal começou a ser feito, portanto nada consolidado ainda. Obras desse porte devem ser discutidas em outro nível de esfera e, uma vez pactuadas, deve-se fazer um concurso para se escolher a melhor ideia, o melhor desenho arquitetônico.

Acredito que os arquitetos, de maneira geral, de todo modo têm um consenso: diminuir a presença dos carros para criar mais espaços públicos”.

Renata Semin, titular do escritório Piratininga Arquitetos Associados

“No caso é um arquiteto reconhecido e renomado no mundo todo. Eu particularmente não vejo nesse conjunto de desenhos e croquis associados uma maneira de fazer, de articular os diversos segmentos ou as interfaces que a cidade tem. O desenho mostra um espaço público para lazer, mas os outros espaços também têm consequência disso: as partes baixas, o transporte, a infraestrutura.

Eu me perguntaria se a cidade precisa disso agora. Acho ótimo cidades lindas, tento desenhar trechos de cidade. Mas acho que a cidade está com mais problemas do que isso. Ela está precisando de uma qualificação urbana no nível do chão e abaixo do chão. Então não vejo como uma ação prioritária”.

João Paulo Beugger, titular do escritório Piratininga Arquitetos Associados

“Os arquitetos e urbanistas são totalmente a favor da qualidade dos espaços públicos. Mas eu acho que o melhor processo, nesse caso, seria um concurso público internacional. Não por justiça de participação, mas porque através de um concurso se tem um tipo de discussão diferente. Eu sei que já há muitas discussões acumuladas sobre esse assunto, mas antes de fazer esse lançamento, deveria-se retomar as questões desse concurso e lançar um novo para aprofundar a discussão da cidade. Eu acho que resultaria numa melhor condição de qualidade para a cidade”.

Marcos Aldrighi, titular do escritório Piratininga Arquitetos Associados

“Acho que valeria conhecer mais e entender esses cenários: é tão mais caro desmontar o minhocão? Quanto mais? Vai ser muito melhor ou não? Talvez os nossos técnicos tenham essa ideia, então é de se colocar para que nós possamos entender (…). Acho que, de modo geral, estamos em um momento de depressão e que, para melhorar a nossa autoestima enquanto cidadão, talvez fosse fundamental essa nova estrutura”. (Por Daniela Bueno Elston)