Brasil transpõe muros, em Veneza

Veja a mostra dos projetos selecionados para o pavilhão do Brasil na Bienal de Veneza

Dois setores conformam a mostra do pavilhão brasileiro na Bienal de Arquitetura de Veneza, idealizada pelo quarteto de curadores Gabriel Kozlowski, Laura González Fierro, Marcelo Maia Rosa e Sol Camacho. São eles, o conjunto de projetos selecionados através de convocatória aberta e a série de dez mapas que reúnem – e dão visibilidade especial – dados relativos ao território brasileiro. Um trabalho importantíssimo de coleta e organização de informações sobre a paisagem e o clima, os fluxos humanos, de mercadorias e de ideias, e sobre as barreiras físicas – e suas formas de transgressão – que desqualificam as nossas cidades.

Abre a mostra brasileira a seção de projetos arquitetônicos e urbanísticos, dispondo-se na sala de acesso ao pavilhão a sequência dos 17 trabalhos escolhidos – alguns construídos e outros não – entre os 289 inscritos na convocatória aberta, ocorrida entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018.

Publicaremos uma entrevista com os curadores na edição 444 (julho/agosto de 2018) da PROJETO, mas adiantamos aqui o princípio orientador do seu trabalho. Respondendo ao tema Freespace desta bienal, eles organizaram a exposição em dois eixos paralelos: a produção de conteúdo específico sobre o país (os mapas em questão) e o convite aos arquitetos – brasileiros ou estrangeiros atuantes no Brasil – a sugerirem os projetos a serem expostos em Veneza.

Em parte, esses trabalhos estão agrupados em construídos ou não, mas em parte ambas as condições convivem lado a lado.

E essa mistura interessa de fato aos curadores do Brasil, no sentido em que eles decidiram não publicar fotos das obras, mas apresentá-las através de desenhos brancos sobre fundo negro – com destaque para a perspectiva isométrica de cada projeto – associados a maquetes que mostram a condição da intervenção no entorno. Também no modelo físico se mantém a mesma relação contrastante – branco/preto, figura/fundo -, de modo a se evidenciar “as ações que conectam os projetos com o tema geral da mostra”, denominada Muros de Ar, descrevem os curadores.

O que une os diversos trabalhos, então, é a sua capacidade de transpor barreiras, tornando “mais inclusivo e fluido” o meio em que se inserem. Tais barreiras podem ser de ordem técnica, como a estruturação de uma edificação de 13 pavimentos com madeira laminada colada (o projeto do Triptyque Architecture) para o edifício multiúso Amata, previsto para o bairro da Vila Madalena, em São Paulo, assim como poética: o ícone arquitetônico – o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, de Oscar Niemeyer – tornado pano de fundo para a livre visualização da paisagem, na instalação temporária (De onde não se vê quando se está) desenvolvida em 2017 por Pedro Varella e Gru.a Arquitetos.

Também promover a visualização da paisagem circundante é o objetivo do projeto Farol da Maré, de Pedro Évora, de criação de uma rede de pontos de visualização do complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, associada à ampliação do Centro de Arte da Bela Maré.

Outros projetos remetem, por sua vez, a metodologias não tradicionais de atuação, lançando-se o arquiteto em processo participativo de trabalho, como é o caso da Escola Sem Muros, do coletivo Sem Muros Arquitetura Integrada, que pretende construir uma nova sede para o Centro Cultural Jardim Damasceno, em Brasilândia, São Paulo; e da Morada Estudantil de Formoso do Araguaia, no Tocantins, um projeto que teve a liderança dos escritórios Rosenbaum e Aleph Zero e no qual convivem técnicas vernaculares de construção com a industrialização construtiva.

Há também trabalhos de remembramento de trechos urbanos com ênfase no pedestre: o projeto do Corsi Hirano Arquitetos para zona do bairro da Liberdade, em São Paulo – o Boulevard Liberdade, cuja lógica se aproxima àquela do projeto de Sauemartins e do Metropolitano Arquitetos para a requalificação do entorno do viaduto Pedro Aguinaldo Fulgêncio, em Belo Horizonte. Denominado Travessia Santa Ifigênia, o trabalho foi um dos vencedores do concurso público promovido pela prefeitura local em 2013 e é composto por uma passarela para pedestres e ciclistas e programa multiúso a ser implantado sob o viaduto.

Estão igualmente expostos em Veneza uma praça circular e de grande dimensão (23 metros de diâmetro) inteiramente dedicada às crianças, a Praça das Crianças, do Studio MK27, assim como um projeto relacionado à resistência de grupos contra a dinâmica de valorização da terra nas cidades: a nova sede do Instituto Brincante, em São Paulo.

No que diz respeito à integração de instituições e seus usuários com a cidade, são emblemáticos os projetos do H+F Arquitetos para a Residência Estudantil da Unesp em Osasco, vencedor de concurso público nacional ocorrido em 2015, e da reforma e ampliação do Sesc Ribeirão Preto, de autoria conjunta dos escritórios SIAA e HASAA, também vencedor de concurso, ocorrido em 2013.

Na escala do desenho urbano, então, está presente o programa Centro Aberto, da prefeitura paulistana – são dois projetos: a intervenção piloto no Largo São Francisco (2014) e na Praça São Bento (2016), a primeira com consultoria do urbanista dinamarquês Jahn Gehl – e, pertencentes a escalas maiores, de intervenção urbana, participam os projetos do conjunto residencial Parque Novo Santo Amaro (2012), de autoria do escritório de Hector Vigliecca e comissariado pela prefeitura de São Paulo, igualmente contrante, através do concurso público Renova SP, do Plano Urbano para Pirajussara, de Libeskindllovet Arquitetos, Jansana, de la Villa, de Paaw, e do plano de requalificação do Parque D.Pedro II, associado à proposição de uma nova unidade do Sesc, o Parque D.Pedro II (Una Arquitetos, LUME da FAU-USP, H+F Arquitetos e Metrópole Arquitetos).

Na mesma linha projetual, o pavilhão brasileiro em Veneza apresenta também o recém-implantado projeto do Boldarini Arquitetos para a Orla do Rio Comprido, em São Paulo, que objetiva conectar a cidade à sua faixa litorânea.

Por fim, o projeto do Brasil Arquitetura para a requalificação do Terreiro de Oxumarê, na Bahia, trata não da supressão, mas do fortalecimento dos muros que conformam a instituição religiosa, no sentido de valorizar a cultura afro e as atividades sociais e pedagógicas desenvolvidas no local.

Confira aqui os projetos em exposição no pavilhão do Brasil na Bienal de Veneza, que está aberta ao público até 25 de novembro deste ano.