Entrevista Alejandro Aravena:o arquiteto chileno escolhido pela Architectural Record como um dos dez profissionais com maior projeção na vanguarda

Escolhido pela Architectural Record um dos dez profissionais com maior projeção na vanguarda arquitetônica em 2004, Alejandro Aravena é figura de destaque da nova geração de arquitetos chilenos. Formado pela Universidade Católica do Chile em 1992, é autor de projetos como um pavilhão para a fábrica da Vitra e ganhador do Leão de Prata na Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2008.

Escolhido pela Architectural Record um dos dez profissionais com maior projeção na vanguarda arquitetônica em 2004, Alejandro Aravena é figura de destaque da nova geração de arquitetos chilenos. Formado pela Universidade Católica do Chile em 1992, é autor de projetos como um pavilhão para a fábrica da Vitra e ganhador do Leão de Prata na Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2008.
Como sua atuação se encaminhou para a habitação de interesse social?
Esses trabalhos não tiveram início no meu estúdio. Ao contrário, criamos um escritório para poder desenvolver este projeto, que se chama Elemental e assumiu distintas formas através do tempo. Foi uma iniciativa acadêmica no início, que utilizou fundos governamentais desde 2001. Eu, como arquiteto, nunca havia trabalhado com moradias sociais. Quando fui estudar em Harvard, conheci o engenheiro de transportes Andrés Iacobelli e pensamos em algo novo para essa área. O importante era pensar numa pergunta para o tema, mais do que numa resposta imediata. Criamos organismos que nos permitiram levar adiante o projeto, primeiro como iniciativa acadêmica, depois como investigação, entre 2003 e 2005, e em seguida já como uma companhia, com aporte de capital público. Hoje é uma empresa que se ocupa da habitação de interesse social e outros projetos públicos.
Como se estruturou essa pesquisa?
Não nos interessava investigar o que se fez anteriormente em habitação social porque, se houvesse uma proposta boa, bastaria dar-lhe mais recursos. O que procuramos fazer foi identificar as pessoas que tinham problemas com moradia e buscar a pergunta capaz de melhorar a resposta ao tema. Acreditávamos que, na universidade, poderíamos dedicar nosso tempo a essa empreitada. Fizemos um levantamento das restrições – legais, econômicas e administrativas, enfim, as regras do jogo que move o mercado.
O que constataram?
Percebemos que o tema moradia implicava a entrega de um lugar para que uma família não vivesse exposta a intempéries; a formalização da tendência de propriedade; a criação de uma maneira para financiar o acesso à moradia; e o desenvolvimento de um desenho que a tornasse melhor do que as não planejadas. Visualizamos a oportunidade de mudar a abordagem do problema, de criar um tipo de residência que, inserida na lógica da propriedade, fosse usada pela família como capital com valor crescente, integrada na rede econômica e social da cidade. Perguntamo-nos se era possível usar a casa como investimento mais do que como recurso social e acabamos por reformular a noção de qualidade. Ela seria, então, indicativa do aumento de valor da habitação ao longo do tempo. Passamos à identificação de um conjunto de condições de desenho que possibilitassem essa valorização, assim como dos mecanismos que permitissem a passagem dos subsídios públicos ao patrimônio das famílias mais pobres. Essa foi a sequência do nosso trabalho e da criação do Elemental.
Como se decidiu pelo local de implantação do primeiro projeto?
Havia um programa do governo já há uns 30 anos, chamado Chile Bairro, que não conseguia uma solução para o problema habitacional de Iquique, uma localidade ao norte da cidade. Pedimos para trabalhar lá, já que, com as opções existentes no mercado, acreditávamos não ter nada a perder. Os desenhos que desenvolvemos resolviam a seguinte equação: conseguíamos ter um conjunto de moradias com densidade suficientemente alta para pagar terrenos caros, bem localizados, e, ao mesmo tempo, permitíamos seu crescimento porque, no marco da política habitacional com que trabalhávamos, havia tão poucos recursos que era possível construir apenas metade das casas. O governo decidiu testar a proposta. Desde então, pudemos estender a idéia a outras cidades, mantendo as mesmas regras.
O que o senhor considera um terreno caro?
É aquele em que um conjunto de famílias quer estar. A pergunta importante quando se trata de investimento social desse tipo não é quantos metros quadrados, quantas habitações. O que importa é onde estão as famílias, se elas estão tirando partido da rede de oportunidades que a cidade lhes oferece, se gastam pouco dinheiro e tempo com transporte, se as escolas localizadas próximo de suas casas têm bons professores e são acessíveis aos seus filhos, se há centros de saúde com bons profissionais e locais de recreação perto. Isso é terreno caro. O mercado identifica esses fatores e cobra mais por áreas próximas à rede de oportunidades. O que fizemos, ao garantir densidades altas, foi possibilitar que essas famílias pagassem por esse tipo de terreno e ainda tivessem dinheiro para construir suas casas. Conseguimos pagar áreas que são três vezes mais caras do que as utilizadas normalmente em moradias sociais. Com densidades baixas, só se podia comprar terrenos de pequeno custo, em bairros isolados e carentes de serviços. Desenhamos um sistema que pode pagar lotes caros sem aumentar o montante do subsídio governamental, já que a construção da moradia contempla inicialmente apenas os espaços essenciais à habitação.
Qual a previsão de disponibilidade desse tipo de terreno?
Imagine que você olha a cidade com uma lente calibrada em dólares. Moradia social, proveniente de subsídios, pode utilizar no máximo um terço do dinheiro para comprar o terreno, a fim de que reste verba para urbanizar o local e construir uma casa pequena. Com um terço de subsídio se podia comprar áreas que custassem no máximo 15 dólares o metro quadrado. As densidades que obtemos com o Elemental nos permitiram comprar terrenos que custam 50 dólares o metro quadrado. Nessas condições, um número maior de lotes está disponível. Podemos comprá-los pelo preço de mercado e fazer uso mais eficiente da infraestrutura urbana. E não só os terrenos de valor comercial mais elevado, mas também os que precisam ser melhorados e têm implícita a mais valia. São aqueles que demandam a construção de uma moradia suficientemente cara para que se justifiquem os investimentos neles realizados. No projeto Elemental, pudemos comprar lotes de valor comercial mais elevado e outros com potencial de melhoria, deixando, contudo, dinheiro necessário às construções. A zona central de Santiago está repleta de terrenos em que se precisa fazer movimentos de terra e remover lixo.
Para criar o programa Elemental, visualizamos a oportunidade de mudar a abordagem da moradia social, de criar uma residência que, inserida na lógica da propriedade, fosse usada pela família como capital com valor crescente
Então, há longa sobrevida para o projeto?
Nem nós temos claro ainda como o projeto pode ser tão eficiente. Foram quatro anos de estudos iniciais, mas, quando pensamos na quantidade de conhecimento necessário para executá-lo, vemos que só com estudos não se agenciam construtoras privadas. Mas já provamos que ele é viável, rompemos a inércia, algo fundamental para qualquer projeto inovador. Demoraram quase três anos para construir o segundo projeto, embora os desenhos estivessem todos prontos, depois menos tempo, e assim por diante, porque os desenhos eram conhecidos e, principalmente, sabíamos como formatar o projeto para que os aparatos público e privado o reconhecessem como possível. Que tempo de vida têm estes projetos? Em Iquique, uma mulher solteira que habitaria numa das casas nos disse que a casa não era só para ela, mas para a sua filha e sua neta. Está sendo gerado um patrimônio familiar que aumenta de valor ao longo do tempo, e isso incentiva a conservação e o investimento por parte das famílias.
O senhor esteve em Iquique após a inauguração do conjunto habitacional?
Sim, várias vezes. Nesse processo de inovação é importante coletar dados e evidências de como evoluem as coisas, para que se façam mudanças quando necessário. Nós mesmos agimos de duas maneiras: indo ver pessoalmente como se comportavam os conjuntos, fazendo oficinas; ou sendo procurados pela própria comunidade. As famílias organizam outros fundos para melhoria do bairro e nos pedem assessorias ou simplesmente fazem comentários sobre o projeto.
A pergunta importante quando se trata de moradia social não é quantos metros quadrados, quantas habitações. O que importa é onde estão as famílias, se elas estão tirando partido da rede de oportunidades que a cidade lhes oferece nessas áreas
Há um mínimo e um máximo desejável à constituição desses conjuntos?
Uma das críticas clássicas às moradias sociais é serem monótonas e repetitivas. Para adequá-las aos custos disponíveis é necessário repeti-las em grande quantidade, o que é um desastre: criam-se bairros sem diversidade, pouco acolhedores das diferenças familiares. Assim, a política habitacional no Chile restringiu a quantidade máxima a 300 residências por projeto. Isso gerou um problema enorme, porque as grandes construtoras, mais habilitadas a baixar os custos e construir bem, não se interessaram por moradia social. Restaram apenas as construtoras pequenas, frágeis e sem bom controle de qualidade. A intenção era boa, mas não garantia a qualidade ao conjunto. Agora, quando se sabe que os desenhos vão ser personalizados à realidade familiar não importa se são feitas mil ou 10 mil moradias de uma vez; importa mais criar distintas tipologias, número adequado de serviços, de espaços públicos. Não há limitação de quantidade; ao contrário, é desejável que se façam muitas casas porque a economia de escala é repassada às famílias.
Mas há um meio-termo desejável para a quantidade de moradias?
De 20 a 30 famílias é o máximo desejável. Acima disso os acordos sociais não podem ser mantidos, porque influencia a noção de propriedade. Nesta quantidade aproximada, os acordos sociais são muito sólidos: decide-se sobre cores, localização de estacionamento, enfim, coisas desse tipo. Em conjuntos com 100 ou 200 proprietários, é pouco provável obter-se acordos sociais, o que influi diretamente na deterioração do conjunto urbano, no valor da casa, do bairro.
Quantas pessoas trabalham no escritório Elemental?
Atualmente, dez pessoas.
Há também um projeto em implantação no México?
Sim, acabamos de iniciar a construção. Estamos em conversação também com várias localidades da América Latina. Com o Brasil ainda não houve nenhum contato, pelo menos formalmente.
Em quais outros projetos o Elemental está trabalhando?
Temos projetos relacionados a infraestrutura. O Ministério de Obras Públicas do Chile trabalha com o sistema de concessões. Propusemos na zona financeira a criação de um sistema de estacionamentos perimetrais, conectados a pontes mecanizadas para pedestres, semelhantes a esteiras. A idéia é evitar que os carros entrem na região adensada da cidade. Se esse sistema misto é considerado de interesse público e estima-se que sua implantação custe, por exemplo, 70 milhões de dólares, nós, como autores da ideia, obtemos de 3% a 5%, o que possibilita nos associarmos a um consórcio para fazer a licitação pública ou vender nossa ideia e recuperar o investimento que fizemos no projeto. Além disso, nos contrataram recentemente para desenvolvermos um projeto em um parque público.
É uma visão estratégica de arquitetura?
Eu diria que o mérito é do meu sócio, que é engenheiro. É natural para um engenheiro buscar demandas, os recursos e conectá-los ao conhecimento que temos ou que podemos obter, de forma que se crie um negócio. No Elemental, é necessário que os projetos envolvam um bem público ou tenham impacto social. Estamos interessados em projetos que resolvam e impactem muitos campos de uma única vez. Não ficamos apenas esperando que nos encarreguem de algo, estamos sempre à procura de uma nova oportunidade e buscando uma maneira para que, cientes da existência de uma demanda, ela seja remunerada.
Que outros tipos de projeto o senhor desenvolve?
Tenho um trabalho mais convencional de arquitetura, diferente da minha atuação no Elemental. Fizemos, por exemplo, um projeto para a Vitra na Alemanha, um edifício que será implantado entre os de Zaha Hadid e Álvaro Siza. Essa prática profissional mais convencional também é encaminhada ao Elemental, para que a desenvolvam. O Elemental, na verdade, é uma empresa prestadora de serviços, que pode trabalhar para a municipalidade ou para mim. Equilibramos os projetos de impacto social com outros, já que a empresa tem que ser sustentável, tem que pagar salários. Queremos que estes outros projetos sejam de vanguarda, que trabalhem com os limites, que nos levem além do conhecimento de que já dispomos.
O trabalho para a Vitra é um projeto de vanguarda?
Claro. Antes dele construiu-se no campus da Vitra, na Alemanha, o edifício de Frank Gehry, estão agora construindo Herzog & De Meuron, já tem Tadao Ando, Kazuo Sejima, Zaha Hadid. O que estão nos perguntando é aonde levamos a arquitetura até agora, claramente é um projeto que está no limite da profissão. No contato dessa prática com a do Elemental há uma polinização cruzada. Porque trabalhar num projeto como o da Vitra, ou no Texas, obriga o profissional a estar no limite de sua capacidade. E esse limite é o que necessitamos para atuar com moradias sociais. Se estivéssemos falando de atletismo, por exemplo, vanguarda e habitação social são como correr os cem metros rasos: não pode ter graça, tem que ter fibra. Esse conhecimento, assim, se aplica àquela que é provavelmente a carreira mais difícil de todas, a da habitação de interesse social. Um projeto elementar é aquele que contesta o mais essencial de um problema. O treinamento que tivemos com a habitação social nos ensinou a tirar o máximo de projetos como o da Vitra.
Do que trata esse projeto para a Vitra?
É um ateliê para trabalhos infantis, ligado ao sistema alemão de ensino, e ao mesmo tempo um centro de treinamento para a Vitra.
Para quando se prevê a construção?
Com a crise, as previsões se tornaram relativas. Está sendo construída neste momento a nova fábrica, de Kazuo Sejima, lém do showroom Herzog & De Meuron. Isso deve durar até 2009, 2010, e meu projeto só seria construído depois.
Fale mais sobre o vínculo entre o rigor de um projeto social e o de vanguarda. Não existe uma influência da diversidade de recursos disponíveis e da expectativa em torno da arquitetura?
Procuramos sistematicamente ser rigorosos na formulação do problema da arquitetura, ser objetivos na formulação das questões, testar os limites da profissão, não no sentido de experimentar os limites de materiais ou coisas do tipo. Se tenho um carro capaz de andar em alta velocidade, não significa que me interesso por testar esse limite; o que importa, antes de tudo, é o meio de deslocamento, o caminho de um lugar a outro, a vontade de me mover entre eles.
É a primeira vez que vem ao Brasil? O que lhe interessa na arquitetura brasileira?
Já vim várias vezes ao Brasil: minha esposa é brasileira, de Porto Alegre. Conheço algumas capitais e admiro muito os arquitetos do movimento moderno. Entre os atuais, gostaria de conhecer melhor Angelo Bucci, que me parece um exemplo de talento, rigor e elegância notáveis. Mas, para o tamanho do país, a arquitetura brasileira contemporânea é muito ruim. Há coisas vergonhosas, e surpreende que seja assim, com o Brasil tendo a escola que teve, tendo a geração anterior produzido arquitetura de tamanha qualidade – não só monumentos, mas também no tecido médio da cidade. Com esse clima, o Brasil poderia ter arquitetura com espaços intermediários belíssimos. Contudo, parece que o país não saiu dos anos 1980. O Brasil teve um ótimo ponto de partida e acabou por perder a vez. Já a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, é uma das coisas mais extraordinárias que foram feitas no mundo ultimamente. É notável: Siza se reinventou com esse projeto.
A arquitetura brasileira contemporânea é ruim. Isso surpreende, com o Brasil tendo a escola que teve, tendo a geração anterior produzido arquitetura de qualidade – não só monumentos, mas também no tecido médio da cidade
Há uma polêmica recente em torno da contratação dos suíços Herzog & De Meuron para projetar um teatro em São Paulo. O que o senhor pensa disso?
Creio que é o maior sinal de debilidade da arquitetura brasileira. Quando alguém não está seguro de sua qualidade, tira da frente a concorrência; quando se tem confiança no próprio conhecimento e na expertise em seu campo de atuação, a presença de outras competências, de profissionais de boa qualidade, como é o caso de Herzog & De Meuron, é bem-vinda. O país não pode deixar de trazer gente assim. O debate não deveria ser esse, mas sim se o projeto é bom ou ruim. Se for bom, sua qualidade só pode fazer melhorar a prática construtiva, porque as construtoras aprendem, o público aprende. Trazer alguém de qualidade só melhora o meio e aumenta a competência. Por isso acho que essa discussão é sinal de fraqueza.
E sobre o Urban Age: o que se tira como ensinamento?
Deixa-me nervoso que eventos como esse tragam tão poucas respostas. Há tantos experts aqui! Italo Calvino disse que experts são tipos que, em determinado campo, sabem dizer tudo o que não se deve fazer. O diagnóstico revela que temos um problema enorme. Há pouco dinheiro individualmente para responder a essa demanda gigantesca da vida em grandes cidades, mas, como conjunto de recursos, há verba disponível. O problema, então, não é o dinheiro em si, é a falta de conhecimento. Todo mundo disse aqui o que se deve fazer, mas eu preferiria escutar como fazê-lo. Se fosse um congresso de médicos, por exemplo, provavelmente teríamos visto uma série de exposições sobre técnicas novas, procedimentos e drogas disponíveis. Aqui, o que vi até agora serviu para reforçar tudo o que já sabemos, exceto no caso dos transportes, em que se apontaram mais caminhos.
Por Evelise Grunow
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 347 Janeiro de 2009

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