LoebCapote, Vigliecca & Associados, Gustavo Penna, Terra e Tuma, 23 Sul e Sub Estúdio, um encontro de gerações

Diferente do procedimento adotado nas edições anteriores desse mesmo mês, desta vez revista PROJETO decidiu celebrar o Dia do Arquiteto - 15 de dezembro, data do nascimento de Oscar Niemeyer - reunindo mais de uma dezena de profissionais representativos da diversidade da arquitetura brasileira contemporânea para debater, entre outros assuntos, a forma de atuação que escolheram (empresas, estúdios, coletivos ou ateliês), embora nem sempre se possa afirmar que tenham optado por ela nas diferentes vertentes da profissão.

O objetivo era registrar a tipologia de projetos em que atuam e relatar as várias maneiras de prospectarem seus trabalhos. A troca de experiências entre gerações distintas, identificando seus pontos de aproximação, foi outro elemento considerado na seleção de convidados. Ao pautar a reunião, a equipe da redação considerou proveitoso os leitores conhecerem pelo menos alguns aspectos da trajetória de profissionais mais experimentados e de jovens que vêm ganhando projeção no exercício da arquitetura.

Na tarde do dia 11 de novembro, reuniram-se no “galpão” – assim é chamada a construção que “respira” arquitetura, pois há quase três décadas é ocupada por sucessivas gerações de arquitetos – da rua Felipe de Alcaçova, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, os seguintes profissionais: Roberto Loeb e Luís Capote (Loeb Capote Arquitetura e Urbanismo); Héctor Vigliecca e Ronald Fiedler (Vigliecca & Associados); Luiz Florence, Luís Pompeo e Ivo Magaldi (23 Sul Arquitetura); Danilo Terra, Pedro Tuma e Fernanda Sakano (Terra e Tuma Arquitetos Associados); e Renata Pedrosa e Isabel Nassif (Sub Estúdio). A animada conversa também contou com a participação (por Skype) do mineiro Gustavo Penna (Gustavo Penna Arquiteto & Associados), impedido por problemas no joelho de se deslocar de Belo Horizonte até São Paulo. “Sou a voz, o Lombardi” (célebre locutor que participava dos programas do apresentador Sílvio Santos mas cuja imagem nunca era exibida), ele brincou em certo momento, devido ao fato de que os outros presentes apenas o escutavam. O anfitrião foi o time do 23 Sul, escritório que atualmente ocupa o “galpão” e o cedeu para o debate.

No dia seguinte, Vigliecca enviou e-mail à redação: “Gostaria de parabenizá-los pela realização do debate, que gerou uma discussão de altíssimo nível e de grande importância, ao reunir diferentes gerações de arquitetos e colocar questões que promoveram a reflexão e a troca de experiências. Para mim, foi gratificante e enriquecedor. O evento foi bem organizado e as questões muito bem conduzidas. Reitero meu agradecimento por ter participado desta iniciativa. Apreciamos e temos grande entusiasmo por eventos deste tipo”. Parece, portanto, que o objetivo do encontro foi cumprido. O texto a seguir buscou extrair a essência da conversa, que extrapolou os temas iniciais para questionar, por exemplo, a excessiva autorreferência que parece entranhada nos arquitetos – todos são formados acreditando que irão projetar museus, teatros, bibliotecas e centros culturais, depreendeu‑se das discussões – e abordar a majoritária presença feminina na profissão (haverá um dia uma arquitetura que revelará um traço particular nesse sentido?) e a dificuldade das mulheres de serem respeitadas na condução de obras.

 

Perfil dos debatedores

O escritório Terra e Tuma Arquitetos Associados foi constituído há cerca de dez anos por Danilo Terra e Pedro Tuma – formada há cinco, Fernanda Sakano incorporou-se posteriormente à sociedade. Aproximadamente meia década depois, os sócios realizaram um balanço das suas atividades e perceberam que contavam com uma equipe grande, porém com um pequeno número de projetos construídos. Avaliaram, então, que se reduzissem o pessoal poderiam ter mais obras concluídas. “Concentramos os projetos nos sócios e atuamos no processo inteiro. A forma está dando mais certo. Antes tínhamos um escritório grande e ficávamos mais na função de gerenciamento”, lembrou Pedro Tuma. “Alguns colegas entendem isso como transformar o escritório em um ateliê”, argumentou Danilo Terra. “E, na verdade, é o contrário. Foi feito mesmo por pragmatismo na ação projetual. Não pelo tamanho da estrutura, mas para que os processos sejam mais simples e mais diretos”, completou.

Um dos setores em que o Terra e Tuma atua é a urbanização de favelas – foi vencedor em uma das áreas do concurso Renova São Paulo. “Também conseguimos atender pequenos projetos, com baixo orçamento, porque não temos muito custo de estrutura. Podemos nos movimentar com liberdade, ao passo que, quando tínhamos um escritório maior, em certo momento nos vimos à caça de projetos, fazendo muito de tudo para conseguir sustentar a estrutura”, explicou Tuma.

“Nunca pensamos em montar um escritório”, contou Renata Pedrosa, uma das representantes do time feminino no debate. Foi ainda na época de faculdade (ela e a sócia Isabel Nassif cursaram a Escola da Cidade) que a dupla foi solicitada para os primeiros projetos. “Fomos pegando e, de repente, tínhamos um escritório”, recordou. Além de Renata e Isabel, mais duas arquitetas trabalham no Sub Estúdio, que tem seis anos de existência. Em projetos de maior dimensão, elas costumam fazer parcerias.

Em contraponto à recém-iniciada carreira das titulares do Sub Estúdio, Roberto Loeb rememorou que sua trajetória começou em 1964, junto com um sócio, mas que foi na década de 1970 que criou seu escritório. “Foi um período difícil, de transição”, ele resumiu, acrescentando que, no início dos anos 2000, com a entrada de Luís Capote, o escritório ganhou dinamismo. Posteriormente, Capote se tornou sócio de Loeb, formando, junto com Damiano Leite e Chantal Longo, a atual liderança da empresa Loeb Capote.

 

Gerenciando seus projetos

A atual produção do Loeb Capote é diversificada, atendendo clientes institucionais, corporativos e na área industrial. “Entramos neste segmento, no qual os projetos exigem um foco muito técnico. Nele trabalhamos para grandes empresas e tivemos a oportunidade de desenvolver uma linguagem que trouxe certa projeção para o nosso trabalho”, afirmou Loeb. Há poucos anos, quando projetaram a sede da Mahle (leia PROJETOdesign 344, outubro de 2008), os sócios também constituíram uma gerenciadora de projetos. “Estávamos cansados de entregar o trabalho para a construtora e, com raras exceções, vermos os projetos demolidos”, relatou Loeb, destacando que, com três arquitetos na obra, eles conseguem melhores resultados que os gerenciadores tradicionais, que alocam até 15 pessoas paras essas tarefas e “criam mais problemas que soluções”. “Considero que arquitetos gerenciam melhor que engenheiros e acredito que eles devam participar do projeto e da obra”, defendeu.

Héctor Vigliecca começou sua trajetória em 1968, quando se formou, e se hoje ele ainda continua de pé “é graças a uma equipe que tem a idade de vocês”, afirmou, referindo-se ao time de jovens que o acompanhavam no debate. “Consegui aglomerar um grupo duro dentro do escritório e ter uma unidade de trabalho e produção que ainda hoje me surpreende” – de acordo com Vigliecca, seu escritório já chegou a contar com 60 profissionais em uma faixa etária que não superava os 30 anos. “Isso é gratificante e me sinto muito bem de ver avançar as claras ideias que temos de como conceber arquitetura – como se faz e para que ela é feita. A equipe está perfeitamente sintonizada com esse tipo de ação. Temos muito claro que arquitetura não é fazer desenho. Arquitetura é reflexão” discorreu, acrescentando, porém, que “sempre perdemos dinheiro porque usamos um tempo muito grande fazendo a reflexão sobre uma realidade que nos apresentam como trabalho”.

 

Cuidado com os desejos

Bem-humorado, Vigliecca recomendou aos jovens que tenham cautela com as coisas que desejam porque elas acabam acontecendo. “A vida inteira desejei ter um grande escritório e trabalhar com grandes obras públicas. E me ferrei! Porque estamos atuando fundamentalmente para a prefeitura, para o governo do Estado, grandes licitações nacionais e internacionais, e isso é um desgaste terrível”, afirmou. Deu como exemplo desses obstáculos a burocracia que impera nos setores públicos.

O anfitrião do debate, o 23 Sul Arquitetura possui certa afinidade temática com Vigliecca, pois sua atuação também é predominantemente com projetos para a esfera pública, sobretudo em terminais de transporte de passageiros. A qualificação de um trecho da Cohab Raposo Tavares – conjunto habitacional que não contava com nenhum equipamento cultural, educacional ou área pública -, com a qual eles se envolveram na época de faculdade como trabalho de extensão universitária, foi o ponto de partida do escritório. “A partir dele desenvolvemos outras reflexões e tentamos entrar em concursos. Nesse momento o escritório foi nascendo”, recordou Luiz Florence. “O grupo, que na essência hoje permanece o mesmo, é aquele que fez parte da equipe selecionada, em 2005, em um concurso para representar a FAU/USP numa bienal de arquitetura. Fomos escolhidos e desenvolvemos esse projeto”, acrescentou Luís Pompeo, outro dos sócios do 23 Sul. “Criamos a dinâmica de equipes que tentam conversar e trocar experiência o máximo possível”, detalhou Florence.

 

Atuação na área pública

O fato de contar com uma equipe de médio porte – no Brasil, oito sócios já é suficiente para ser considerado assim – levou o 23 Sul a enfrentar encomendas de maior vulto. “Naturalmente, derivamos, então, para dentro do setor público, os projetos de infraestrutura”, explicou Pompeo. “A área de transporte e infraestrutura sempre foi nosso campo de pesquisa”, acrescentou Florence, recordando que os trabalhos finais de graduação da maior parte dos componentes do 23 Sul passaram por esse segmento. “Começamos fazendo projetos funcionais, os básicos e hoje também fazemos os executivos. Mas é uma área muito difícil. Os projetos não saem do papel”, reclamou Florence. “E, como não possuímos o portfólio do Héctor, temos que ficar o tempo inteiro pedindo licença para fazer arquitetura”, completou Pompeo. Foi a deixa para Vigliecca comentar: “Não se preocupe porque eu também continuo a ter que pedir licença para dizer o penso”.

Em sua apresentação, Gustavo Penna contou aos debatedores que não fez estágios com outros arquitetos e que desde formado (1973, pela UFMG) trabalha na mesma casa centenária, um sobrado na rua Álvares Cabral, próximo do centro de Belo Horizonte. “Todos os fantasmas dessa casa são meus parentes. Desde quando meu bisavô a comprou, sempre alguém da família ocupou o espaço. Muito antes da prefeitura, a casa é tombada por nós mesmos”, afirmou. Transitar entre a indigência e a incipiência foi a realidade do início da carreira de Penna. “Indigência porque não ganhava nada e quando conseguia um projeto de maior complexidade não tinha suficiência técnica para realizar”, justificou. Ao longo dos anos, o escritório ganhou estrutura e musculatura. “Para ter capacidade de realizar a obra de criação, de invenção, de diagnóstico, mas com todos os parceiros em sintonia. Porque se você tiver um dos parceiros que não se sintoniza com essa ideia, o projeto, que é a partitura, acaba mal interpretado”, discorreu.

Assim como o escritório de Vigliecca, a empresa de Penna conta com uma equipe de faixa etária bastante inferior à do titular. “E 60% dela – incluindo minhas duas filhas, Laura e Diana – formada por mulheres”, observou, acrescentando que sempre costuma contar com arquitetos de outros países. “Considero importantíssimo para não ficarmos limitados à visão brasileira de como fazer o projeto. Porque, hoje, o que fazemos é uma coisa planetária. Não adianta tentar regionalizar tanto a arquitetura, porque vêm escritórios de fora e pegam o nosso trabalho.” Penna acha importante que o arquiteto tenha posição e faça propostas para as cidades. “O arquiteto tem, mais do que o direito, o dever de propor coisas para a cidade, mesmo que não seja contratado. Muitas vezes os projetos dos escritórios de arquitetura – que funcionam como laboratório de ideias – são uma catalisação de visões. Temos que propor isso para o poder público, porque ele hoje é muito míope e o planejamento está sempre evitando os arquitetos, como se eles aumentassem o custo e a complexidades das coisas”, avaliou.

Profissão autorreferente

Indagado sobre se a forma como organiza sua produção classificaria Terra e Tuma como escritório, estúdio ou coletivo, Pedro Tuma julgou que a empresa deve ser considerada um escritório de arquitetura. “Tentamos ser bem pragmáticos na nossa atuação, fugindo ao máximo – embora seja difícil – do egocentrismo, do apego às questões particulares da arquitetura, e tentando, cada vez mais, abrir um diálogo com a população. Percebo um abismo entre a atuação do arquiteto e a população”, pontuou. Danilo Terra somou ao argumento do sócio o fato de que “a profissão é extremamente autorreferenciada”. “É claro o abismo entre sociedade e arquitetura e parte da culpa é nossa. Tanto da prática quanto das escolas que a incentivam”, analisou, lembrando que o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) vem buscando fazer com que a população se envolva com arquitetos. Porém, nas escolas, observou Terra, os alunos são doutrinados para fazer grandes obras, grandes estruturas, grandes projetos. “É óbvio que todo mundo vai querer. E se você não faz isso não tem saída? Não tem como atuar? Claro que tem”, refletiu.

Terra observou também que, conforme Vigliecca ponderara anteriormente, sua equipe procura fazer uma reflexão. “Por isso, digo que não é ateliê, e sim escritório. Fazemos projeto, mas é um trabalho muito pragmático”, afirmou. Ele ressaltou ainda que, por culpa dos próprios arquitetos e das escolas que os formam, a profissão está distante da sociedade. “Temos o desejo de ser tratados como médicos e advogados, profissionais de que a população necessita e a quem procura. Mas isso não acontece. Quem procura arquiteto é sempre alguém com grande poder financeiro, econômico. Produzindo habitação social junto com a prefeitura, estamos tentando trabalhar essa comunicação”, argumentou.

 

Cliente preparado para a arquitetura

Na discussão sobre a contratação dos profissionais estar sempre ligada ao poder econômico, Penna ponderou que é a classe que deve preparar o cliente, “apresentar a arquitetura para o Brasil, para a pessoa comum, não como uma aquisição de luxo, mas como algo que tem um conjunto de atributos especiais”. Ele deu como exemplo o trabalho que fez para o sindicato dos metalúrgicos de Betim, MG, instituição representante de pessoas simples, que querem um prédio que remeta à categoria. Aprofundando esse raciocínio, deu como símbolo desse distanciamento as competições em que uma prefeitura escolhe um projeto para um parque em área habitada por população de baixa renda. “A pessoa que vai usufruir o seu trabalho é simples. E você tem que saber ouvi-la para não trazer uma coisa que não seja interpretada por ela. Vi praças maravilhosas feitas por arquitetos que têm um belo design, mas a pessoa foge dela e fica debaixo de umas árvores no entorno. É uma ode ao desperdício”, considerou.

Para Penna, a classe – seja por intermédio da Asbea, IAB ou CAU – necessita tirar anos e anos da má apresentação do que é o fazer arquitetônico. “Nossos escritórios devem ser pontos de pesquisas e coisas para o homem, voltado para o homem, seja o tamanho que for e onde estiver. Precisamos ter a capacidade e a percepção disso. Se o Brasil não fosse o que é, o Minha Casa, Minha Vida não teria esse padrão de arquitetura de baixíssima qualidade”, ponderou.

Se Terra e Tuma, assim como Penna, têm empresas de maior porte, Isabel Nassif e Renata Pedrosa (Sub Estúdio) atuam em projetos de menor escala. “Por ter começado sob demanda, e não pela decisão de constituir um escritório, fizemos muitos projetos de pequeno porte, mas hoje em dia a coisa mudou”, relatou Isabel. “Somos de uma escola [a da Cidade] que nos voltou para a questão do homem na cidade, do espaço público, do espaço que a gente habita”, acrescentou Renata. Ela não nega que queira fazer museus e espaços públicos, “mas começamos aceitando de tudo”. E Isabel completou: “Em uma cidade consolidada como São Paulo, reforma também é uma questão importante. O que mais fazemos é reformar e transformar lugares. Somos um escritório pequeno que, conforme a demanda, traz mais pessoas para os projetos, mas não temos a ambição de ser um escritório grande”.

Participando pela primeira vez da mesa, Luís Capote assinalou que sua sociedade com Loeb poderia ser classificada como um escritório de soluções. “Como fazemos projetos em vários segmentos, desenvolvemos um raciocínio. Não importa se é um projeto social – e estamos envolvidos em vários – ou um data center para um banco, equipamentos urbanos e assim por diante. É mais a forma de fazer esse conceito se tornar viável. A gerenciadora foi criada fundamentalmente para que o projeto fosse implantado como deveria”, observou.

 

Farmacêutico da arquitetura

Estar envolvido simultaneamente com grandes encomendas e projetos sociais levou Loeb a refletir sobre a mística que ainda hoje prevalece em torno de uma arquitetura especial. “Passamos por uma escola – aqui sou o mais velho, junto com o Héctor – onde vivemos Brasília, Lucio Costa, Niemeyer, Le Corbusier, modelos que impregnaram nossa geração. Mas esse tempo mudou. E estamos com um desafio urbano no país de participação direta, junto à população. Como fazer isso?”, indagou. Loeb relatou também que, às vezes, se percebe pensando nos depósitos de materiais de construção, nos quais há uma imensa quantidade de materiais sem muitas características definidas e que não contam com um arquiteto prestando um mínimo de assessoria aos consumidores, como ocorre, por exemplo, nas farmácias. “Precisamos estar lá prestando uma assistência, um farmacêutico de arquitetura”, comparou. “Esse é um ponto de reflexão que devemos levar em conta, senão estaremos cada vez mais pensando no sonho de uma arquitetura brasileira que já fez seu tempo”, disse.

Ao retomar a posição anteriormente exposta por Danilo Terra de que a classe faz arquitetura para os seus pares, Capote acrescentou ser também necessário que os contratantes revejam sua posição ao trabalhar com um arquiteto. Ele avaliou que, de forma geral, para o contratante, engenheiro e arquiteto são a mesma coisa. Complementando esse raciocínio, Loeb observou que é difícil o cliente entender que não está contratando um profissional que apenas vai dar um aspecto bonito ao espaço. “Ele está contratando alguém que vai repensar a empresa e ajudá-la a crescer. Nesse sentido, o caso da Natura [para a qual o escritório projetou instalações] é emblemático. É um projeto bonito, mas pensamos na produção ligada ao conforto. É um campus onde as pessoas passam mais tempo que em casa. Então, além de local de produção, deve ser um lugar de reflexão e crescimento pessoal. Concordo com o Héctor quando ele fala que somos um escritório de conceito cujo instrumento é a arquitetura.”

 

Organização necessária

Retomando a questão sobre ser escritório, estúdio ou coletivo, Gustavo Penna argumentou que, no seu caso, às vezes essas classificações se misturam. “É estúdio quando tenho vontade de desenhar uma cadeira, uma capelinha ou um cenário. É escritório quando se exerce a profissão de arquiteto e tem o aparato para isso. E é uma organização quando você tem um gestor de qualidade de projeto que permite participar de um concurso ou concorrência internacional”, pontuou.

Organização de que o escritório de Vigliecca dispõe e que lhe dá condições de participar de muitas concorrências. Esse fato o habilita, portanto, a opinar sobre elas. Para ele, no país, as concorrências de arquitetura partem do princípio de que ninguém sabe fazer determinada coisa. “Em certa medida é verdade, mas não quer dizer que não sabemos e sim que não temos oportunidade de fazer”, ele comentou, lembrando tanto da experiência com os projetos de estádios da Copa do Mundo, disputada no ano passado no Brasil, como de algumas operações urbanas. “A presença de um grupo estrangeiro era obrigatória no sentido de que ele tinha que ser não um consultor, mas sócio do consórcio. Isso foi um erro histórico”, considerou.

Vigliecca contou também que, no caso dos estádios, anos antes da competição no Brasil, sua equipe foi à Europa e estabeleceu contato com administradores, visitou cerca de dez equipamentos do gênero, participou de reuniões e aprendeu como poderia enfrentar essa temática. “Esperávamos concursos, que infelizmente não foram feitos”, lembrou. Ainda sobre o tema, assegurou que todos os grandes projetos em que o escritório se envolveu resultaram de concursos ou de licitações públicas. Lamentou, porém, que, de quase uma centena de concursos de arquitetura de que participou (foi premiado em mais de 50), apenas dois tenham sido construídos. “Mesmo assim, não jogamos fora essa experiência. Ao contrário, isso ajudou a formar uma consciência de projeto, uma cultura extremamente eficaz”, afirmou.

 

Licitações públicas

A participação sistemática em licitações públicas aproxima o escritório de Vigliecca do 23 Sul – no caso deste, mais vinculada à área de transportes. De acordo com Luís Pompeo, são mais de 50 projetos na área, porém poucos construídos, o que seria um reflexo da maneira como o projeto se desenvolve no Brasil. “Aqui, fazemos o projeto básico e a lei não permite desenvolver o executivo. Em outros países a legislação determina que o autor do preliminar seja o responsável pela obra e pelo projeto até a execução ser concluída”, assinalou. Por causa dessa situação, Pompeo considera enorme hipocrisia quando, em seminários e simpósios sobre infraestrutura, ele ouve grandes empresários e construtores afirmarem que um dos problemas do Brasil atual é a baixa qualidade dos projetos. “Hipocrisia porque há toda uma lógica de projeto que não está comprometida com a qualidade”, criticou. “O que se exige para pagar menos é projeto básico e isso tem que ser tirado da lei. Não existe projeto básico”, asseverou Vigliecca.

Para Luiz Florence, há interesse das empreiteiras em simplificar, porque é nessa zona cinza de indefinição que os orçamentos duplicam ou quadruplicam. “Só que o Estado já tem essa ideologia totalmente assumida.” Ele deu como exemplo o caso dos aeroportos, lembrando que o de Shenzhen, na China, considerado um recorde internacional de velocidade, foi feito em sete anos. “No Brasil, os aeroportos tinham previsão de dois anos e meio para projeto e obra. Então não vai sair com qualidade. E o pior é que o conhecimento não se assenta”, opinou.

 

Mulheres na arquitetura

Os participantes foram também solicitados a opinar sobre a presença majoritária da mulher na profissão (na reunião elas eram minoria, mas representam cerca de 70% dos leitores de PROJETOdesign) e responder por que esse número não se reflete na predominância feminina na realização de projetos mais significativos. Numa avaliação preliminar, Vigliecca considerou que tal predominância pode não ser positiva. “É interessante que exista equilíbrio entre o raciocínio masculino e o feminino, que eu considero diferente. Não que um seja melhor que o outro. São diferentes”, ressaltou. Em sua opinião, o trabalho do Sanaa (escritório japonês que já conquistou o Pritzker) pode ser considerado uma arquitetura tipicamente feminina (ainda que seus líderes sejam uma mulher e um homem) e da melhor qualidade. Ele também considera um equívoco o fato de, na profissão, as mulheres procurarem se impor masculinamente. Menos polêmico, Loeb opinou: “Para mim, a questão de gênero não é tão importante porque trabalhar com mulheres ou com homens é uma coisa muito rica”.

“O assunto tem a ver com o atual momento do país. As mulheres estão finalmente falando alto, para todos ouvirem”, afirmou Renata Pedrosa, destacando, porém, que não se pode negar que, para as mulheres, exercer a profissão é mais difícil. Argumentou que, quando chega numa obra, por exemplo, percebe o preconceito e o descrédito em seu conhecimento. “Quem são essas menininhas falando que tenho de fazer caixilho de outro jeito, quando faço há 30 anos da mesma forma?”, exemplificou, descrevendo situação vivida por ela. “Temos que argumentar e convencer a fazer o caixilho da maneira que projetamos. Mas se chega um homem e fala que quer o caixilho de determinado jeito, não há resistência. Eu presenciei isso”, contou. Renata também relatou ter passado por situações de assédio nas obras: “Vivemos em um país extremamente machista e as mulheres sofrem assédio todos os dias. Desde o cliente até o pedreiro, é sempre muito complicado”. E se contrapôs a Vigliecca: “Não considero ser questão de masculinizar, mas de impor limites. No Brasil, é difícil ser mulher na arquitetura”.

“Não basta ter conhecimento técnico. É preciso se impor”, concordou de forma veemente a sócia Isabel Nassif. Se, nesses casos, a mulher assume comportamento masculinizado é porque a sociedade ainda é muito machista, argumentou. Vigliecca observou, então, que a situação está mudando e citou o caso de sua sócia, que conduz uma obra com 500 funcionários e se impõe, “não necessariamente de forma masculina”. Renata concordou que a mudança parece óbvia quando se conversa em uma mesa de pessoas formadas, mas as situações reais são bem diferentes.

 

23 Sul X Vigliecca

Na reta final da conversa, cada dupla de escritórios foi convocada a formular perguntas entre si. Por atuarem sobretudo no setor de obras públicas, Luís Pompeo quis saber de Vigliecca por que deveriam se manter nessa vertente. “Estamos sempre pedindo para trabalhar e, infelizmente, também reconhecemos isso no seu discurso”, completou o sócio do 23 Sul. Vigliecca devolveu: “A problemática do dinheiro e de conseguir projetos continua a mesma e estamos permanentemente a ter que explicar o que é a nossa especialidade. Por que não desistir? Porque é nossa vida, é o que sabemos fazer e temos que fazer”.

Mais maduro que seu inquisidor, Vigliecca pediu aos sócios do 23 Sul que definissem o trabalho que fazem e qual seu objetivo. “Tentamos criar diálogos e assumimos a posição de que um bom projeto vem deles. Há momentos em que é preciso confiar que algumas questões do projeto vão sair a partir do diálogo”, refletiu Luiz Florence. “Essa conversa pode ser com pessoas que trabalham com engenharia de transportes ou com os próprios sócios. Aprendemos a viver num espaço semipúblico, aqui as falas são ponderadas, há pausas para os sócios falarem.” Já Pompeo respondeu com o mesmo conceito que Vigliecca atribuiu a sua forma de criar arquitetura: reflexão. “No 23 Sul, tentamos fazer essa reflexão sempre de forma coletiva. Sabemos que os projetos em que existem mais diálogos entre os sócios saem melhores que aqueles em que os arquitetos trabalham sozinhos. Sabemos também que, quanto mais tempo for dedicado ao projeto, quanto mais você refletir, quanto mais redesenhá-lo, mais ele irá se depurando”.

O sócio Ivo Magaldi comparou a forma de o 23 Sul projetar à conversa/debate que o escritório recebia naquele momento. “É uma conversa de muitos pares tentando construir um discurso arquitetônico. Não sei se isso nos faz diferentes, mas nos constitui como escritório de arquitetura. Nos constituímos assim na faculdade, apesar de, evidentemente, não trabalharmos todos, ao mesmo tempo, no mesmo projeto. Porém, até hoje continuamos discutindo questões de projeto com muita profundidade”, comentou. Para ele, se há um ponto de inflexão que distingue o 23 Sul, encontra‑se na dissolução da autoralidade, transitando para a construção mais colaborativa dos projetos.

 

Terra e Tuma X Loeb Capote

Pedro Tuma questionou Roberto Loeb sobre coisas que na profissão o atormentam e quais são os caminhos para a transformação. Com mais de 50 anos de formado, Loeb disse que ainda o preocupa a questão da demanda por seu trabalho. “A profissão é uma espécie de sedução, porque não vendemos nada. Ou, melhor, vendemos um futuro, uma ideia. A grande dificuldade que levantamos aqui são os instrumentos, a demanda, a equipe, as possibilidades de trabalhar ou não com o governo, o entendimento do cliente”, discorreu. “Para mim, e acredito que para as pessoas que estão aqui, é coisa de paixão e sonho, porque senão já teria desistido de fazer arquitetura há muito tempo. O que me alimenta é, cotidianamente, ter a possibilidade de criar e também pensar nesse país. O tempo todo estou pensando em sair por aí com uma prancheta e de cidade em cidade falar com pessoas que precisam de algum auxílio.”

Pragmático, Luís Capote quis saber como os sócios do Terra e Tuma estão se adaptando ao mercado num momento de concorrência mais agressiva e menos projetos. Pedro Tuma respondeu que o escritório tem participado de licitações e concursos, mas vem tentando abrir outras frentes. “No momento, recebemos grande demanda de orçamentos para atender a classe média baixa. E nesse caso não adianta tentar fazer aquele detalhe lindo que aprendemos na faculdade, porque depois ele se perde na obra”, contou. Danilo Terra acrescentou que eles vêm tentando repensar seus processos. “Aprendemos e sempre fizemos levantamento de dados, estudo preliminar e projeto básico etc. Será que é só assim que se faz arquitetura? Eu só consigo se tiver que passar por todos esses processos? Será que para fazer uma bancada é preciso estudo preliminar? A gente reflete muito sobre a arquitetura, mas dificilmente sobre os processos em que ela se envolve”, declarou.

 

Sub Estúdio X Gustavo Penna

A pergunta que Renata Pedrosa dirigiu a Gustavo Penna procurou esclarecer aspectos legais quanto a licença de softwares e contratação de pessoal. “Somos um escritório pequeno e essas questões nos pegam muito”, explicou. Penna respondeu que seu escritório cumpre as obrigações legais e recolhe todas as contribuições sociais. “Os  escritórios deveriam pensar sempre como outros profissionais liberais. Devem ter organização, fichários, controlar seus pagamentos, verificar se não estão repetindo pranchas para os clientes, para que não se perca a viabilidade econômica”, recomendou. “Você designa uma pessoa do escritório para montar esse trabalho e isso dá estrutura e liberdade para você sonhar. Temos pessoas que cuidam disso e por isso o time é bom, é um trabalho coletivo. É uma delícia nossa profissão, mas ela leva para um embate com o cliente que pode desanimar”, ensinou.

Ao devolver a pergunta às sócias do Sub Estúdio, Penna quis saber como elas reciclam suas concepções e como arejam seu processo de criatividade. “Suas antenas estão ligadas para outros fazeres artísticos? Como é isso no seu escritório?”, inquiriu. Na  resposta, Isabel Nassif contou que ela e a sócia são ligadas às artes em geral e que isso se reflete bastante no trabalho de criação do Sub Estúdio. Completando a informação, Renata explicou que no processo criativo é comum – e elas buscam – interagir com arquitetos mais maduros.

 

Texto de Adilson Melendez
Fotos: Renato Leary
Publicada originalmente em Projeto Design na Edição 428

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