Entrevista – Luiz Paulo Conde

O político Luiz Paulo Conde, ex-prefeito do Rio de Janeiro, continua, essencialmente, um arquiteto. Conde pretende se candidatar ao governo do Rio no ano que vem, mas tem também a intenção de voltar a ensinar. “Gostaria de lecionar na FAU/USP”, admite. Atualmente, o arquiteto lidera a organização não-governamental Viver Cidades, que formou depois de ter perdido, no ano passado, a eleição para a prefeitura carioca. Para Conde, a arquitetura brasileira atual carece de ousadia, de alguém capaz de gestos arquitetônicos mais audaciosos.

O senhor se afastou da arquitetura desde que assumiu, há oito anos, primeiro a Secretaria de Urbanismo do Rio de Janeiro e depois a prefeitura da cidade?
Não. Nesse período não projetei, mas chamei mais de cem arquitetos e designers para participar dos programas Rio-Cidade e Favela-Bairro. O projeto Favela-Bairro de Jorge Jáuregui para as favelas cariocas Salgueiro, Fernão Cardim, Fubá-Campinho e Vidigal [leia PROJETO DESIGN 239, janeiro de 2000] foi premiado em Harvard, o que para mim é um orgulho. O Rio-Cidade Leblon ficou entre os dez finalistas do prêmio Mies van der Rohe para a América Latina e foi exposto no Moma de Nova York. As luminárias que Guto Índio da Costa desenhou para esse projeto estão em vários lugares do Brasil.

Mas o senhor não estava produzindo no escritório. Nesse período, o senhor continuou acompanhando a arquitetura?
Continuei. Em 2000, tive a maior honra de minha vida ao ser jurado, a convite do governo francês, do concurso para o último grande museu em Paris – o Museu de Artes e Civilizações. Julguei trabalhos de Christian de Portzamparc, Norman Foster, Peter Eisenman e Jean Nouvel, entre outros. O primeiro lugar coube a Nouvel e o segundo a Eisenman; o museu ficará num cais perto do rio Sena, muito próximo da torre Eiffel, num terreno lindíssimo.

Como o senhor vê o panorama atual da arquitetura brasileira?
O Brasil está fazendo hoje uma arquitetura de qualidade comercial. Não temos grandes inovações. O último gesto brasileiro, nessa área, foi o Museu de Arte Contemporânea, de Niemeyer, em Niterói [leia PROJETO DESIGN 202, novembro de 1996]. Não vejo outro gesto importante ou obra significativa. Niemeyer tem essa predestinação. Ele é chamado pela prefeitura e torna-se símbolo de Niterói; a cidade passa a ser procurada porque tem aquele museu, e até o papel da prefeitura tem o MAC como símbolo. Não basta ao arquiteto fazer certas obras. As chances são dadas a muitos deles, mas fazer uma obra significativa, reconhecida pelos artistas, pelos intelectuais, por seus pares e pela população, é muito importante.

Nesse sentido, a arquitetura brasileira não seria, de certa forma, refém dessa personagem tão forte que é Oscar Niemeyer?
Não acho que seja refém. Na Inglaterra, por exemplo, [James] Stirling é um nome muito forte, mas não impediu que surgissem Richard Rogers e Norman Foster, por exemplo. O que estou dizendo é o seguinte: vários arquitetos tiveram muitas chances, mas, para comemorar os 500 anos do descobrimento do Brasil, tivemos que recuperar a Oca, no Ibirapuera, em São Paulo. Esse foi o grande evento. Poderiam ter feito um concurso, chamando novos arquitetos, mas o acontecimento foi a recuperação da Oca, obra de Niemeyer.

Mas, então, o que falta para nossa arquitetura avançar?
Às vezes, é melhor errar, mas arriscar. Ou então fazer como [Rafael] Moneo, que projetou um museu de arquitetura em Estocolmo em que não se sabe onde termina o antigo e onde começa o novo. É uma obra altamente sofisticada. Ou como a pirâmide do Louvre, que todo mundo dizia que era ruim, mas o que se faria diferente daquilo? Então, quando [Frank Lloyd] Wright faz o Guggenheim, surgem a discussão, o debate, um ícone. É isso que está faltando à arquitetura brasileira. Veja o caso de [Carlos] Bratke, o filho, com o número de oportunidades que teve. Juntando-se toda a sua obra, o que ele fez? No Sesc Pompéia, em São Paulo, Lina [Bo Bardi] projetou aquela grande caixa, as piscinas, as aberturas irregulares. Até achava exagerado, mas era uma atitude, uma maneira de fazer.

O senhor não vê essa atitude na arquitetura brasileira hoje?
Está faltando. Aí Niemeyer, velho, ainda tem esse gesto. E o que resta para nós? Tecnologia não temos. Em Buenos Aires, os prédios recentes de Cesar Pelli dão banho, porque tudo é importado dos Estados Unidos. Não tem nenhum edifício comercial em São Paulo tão bonito quanto aquele cubo branco de Pelli, em Buenos Aires. O Banespa antigo é um prédio bonito – art déco ou o que seja, mas marcava uma visão. Hoje falta isso. Encontra-se algum detalhe interessante, um prédio razoável, uma coisa bem-feita, uma casa bonita. Mas faltam idéias mais fortes na arquitetura brasileira. Estamos patinando, mesmo tendo bons arquitetos.

Se temos bons arquitetos, por que não temos mais uma arquitetura tão expressiva?
Eu poderia dizer que a arquitetura comercial média, que não tem assinatura – os pequenos prédios estreitinhos de Ipanema, do Leblon, feitos de mármore e granito, bem detalhados -, até que não é ruim. Como arquitetura da burguesia, pode-se achá-la meio luxuosa, mas, ainda assim, bem-feita. Acho até que a arquitetura residencial é mais um problema de design, para resolver bem uma esquadria, um detalhe. Ninguém vai fazer discurso de arquitetura nisso, e nesse campo Niemeyer é perfeito. Ele não está querendo inventar a roda. Mas veja outros casos: o edifício Itália, por exemplo, é uma maravilha. Ele estabelece uma relação com a cidade, a torre emerge e se relaciona com todos os edifícios ao lado. O antigo edifício do jornal O Estado de S. Paulo [de Franz Heep, como o Itália] é belíssimo. Quem mais faz isso?

Como o senhor classifica a produção arquitetônica brasileira atual?
Hoje só se faz uma arquitetura de materiais. Há mais brilho, mais coisas, mas não é arquitetura. Deixaram de se preocupar com o clima, com o sol, só há vidros espelhados. Não há mais sol no Brasil? Acho que faltam idéias, uma discussão mais profunda. Temos muitos arquitetos bons fazendo casas excelentes, predinhos excelentes, mas há também uma arquitetura que macaqueia, e mal. Fui recentemente ao Birmann 29, em São Paulo, e parecia que eu estava entrando nos Estados Unidos subdesenvolvido. Prefiro o BEG de [Henrique] Mindlin, o Rino Levi, o [Carlos] Milan.

 

A ‘americanalhização’ da arquitetura levou ao abandono das coisas que lhe deram caráter.

 

O senhor disse que não temos tecnologia para produzir uma arquitetura de melhor qualidade. Por quê?
A arquitetura brasileira foi criada sem ar-condicionado, com pés-direitos altos, brises, proteção e venezianas. Mas veio Mies com a idéia de universalizar o edifício: tanto o prédio de escritórios como a residência poderiam ter o mesmo aspecto. Isso se radicalizou e perdeu-se todo o histórico da arquitetura brasileira. Caímos no conto de que, com a tecnologia, resolvíamos tudo. Mas, como não éramos um país tecnológico, a passagem de um modelo que levava em consideração o clima – onde o sol e a sombra eram importantes – para o modelo norte-americano, tecnológico e universalista, foi muito difícil. Então começou a “americana- lhização” da arquitetura e o abandono das coisas que lhe deram caráter. Nossa arquitetura ficou sem caráter.

É possível recuperá-lo?
Como professor que sou – e estou com vontade de voltar a lecionar -, mandaria que se estudassem Goiânia, Maringá, Londrina, Campo Grande, Brasília, Belo Horizonte, cidades que os brasileiros desenharam. Que se estudassem os arquitetos brasileiros: Rino Levi, Milan, Paulo Mendes da Rocha, Joaquim Guedes, Niemeyer, Vital Brazil, Jorge Moreira, os irmãos Roberto, Bratke velho. Temos um acervo histórico de arquitetura e muitas obras que não foram feitas só por arquitetos modernos. Voltar para o Brasil, despir-se de preconceitos, ver os arquitetos art déco, os arquitetos que construíram São Paulo, desde a Estação da Luz. Os catálogos que fizemos no Rio [Guias de arquitetura do Rio de Janeiro] têm essa função, recompõem a história urbana.

Quais os temas que deverão orientar a arquitetura nos próximos anos?
Teremos que fazer uma arquitetura que gaste menos, mais leve, que trabalhe com materiais renováveis – acho que a única coisa nova que aconteceu no mundo é o universo sustentável. A energia também será importante. Vamos viver um período em que se deve repensar como fazer uma casa econômica, que gaste menos e seja mais fácil de construir. Outra novidade mundial – para mim, a mais interessante – é a arquitetura efêmera.

Onde ela se aplica?
Não há centro de convenções e autódromos, por exemplo, sem uma arquitetura efêmera ao lado. Pavilhões de lona com ar-condicionado, desmontáveis, instalações temporárias, são temas que os arquitetos têm de pensar como necessidade. Foi realizada no Rio de Janeiro uma etapa da Copa Davis [competição mundial de tênis] que me impressionou: ergueram uma estrutura com elevadores e quadra especial que durou dez dias. A conservação de energia e a arquitetura efêmera são programas novos. E a arquitetura só muda em função de programas.

Faz parte de seu horizonte profissional voltar a atuar à frente de um escritório de arquitetura?
Quero me candidatar a governador do estado do Rio. Desliguei-me do escritório quando fui nomeado secretário de Urbanismo. Este ano, Mauro [Neves Nogueira] também saiu. Ele está fazendo doutorado e ensinando. Mauro gosta da vida acadêmica e montou seu próprio escritório.

Um escritório consegue superar a ausência de seu principal mentor e fundador?
O escritório não tem mais meu nome. Veja, por exemplo, o escritório de Min-dlin. Ele faleceu e seus sócios estão até hoje trabalhando. O escritório sobrevive porque há uma lista de clientes. Em meu caso, o escritório [atualmente STA] tem como cliente a Fundação Bradesco, para quem trabalha constantemente, mas é um embate duríssimo. Como antes eu integrava o escritório, ele não pôde fazer nada do Rio-Cidade, nem do Favela-Bairro.

 

O último gesto brasileiro foi o Museu de Arte Contemporânea, de Niemeyer, em Niterói. Não vejo outro gesto importante ou obra significativa.

 

O senhor disse que quer ser candidato ao governo do Rio e voltar a lecionar. Isso é compatível?
Posso não ganhar a eleição no ano que vem. Já vou começar a orientar trabalhos na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mas gostaria de ensinar na USP.

A organização não-governamental Viver Cidades, que o senhor fundou, é uma forma de se manter em evidência?
Perdi uma eleição majoritária e fiquei desempregado. Perguntei-me o que poderia fazer, uma vez que não queria voltar para o escritório. Então, reuni os amigos que trabalharam comigo no governo e no Iuperj e fundamos uma organização não-governamental para dar apoio às cidades em políticas urbanas e em outras áreas. Após quatro anos como secretário de Urbanismo e mais quatro como prefeito, acumulei muita experiência. Hoje estamos fazendo trabalhos para as cidades de Angra dos Reis, São Gonçalo, Petrópolis, Macaé e Carmo, entre outras.

O que de mais positivo o senhor realizou no Rio e o que gostaria de ter feito e não conseguiu?
Fui o prefeito que, em 12 anos, mais investiu no social. Mas, sob o ponto de vista de arquitetura, lamento não ter continuado o projeto de Oriol Bohigas, Nuno Portas e funcionários da prefeitura, da frente marítima. Um projeto lindíssimo – que não vão continuar -, que recuperaria todo o espaço entre o Aeroporto Santos Dumont e a Candelária. Outra frustração foi não ter feito a ligação Realengo/Barra, muito importante, pois desafogaria o trânsito no Rio. E não ter construído o centro de convenções que Niemeyer projetou.

Como prefeito, o senhor fez gestões no sentido de levar para o Rio a filial do Museu Guggenheim?
Acho que o Guggenheim no Brasil é um mito. No País Basco, onde a renda per capita é de nível europeu, foram investidos 100 milhões de dólares, e devem ser gastos anualmente cerca de 5 milhões de dólares para manter o Gug-genheim de Bilbao. No Brasil, não há fôlego para isso em lugar nenhum. Acho que todo o dinheiro do Rio deveria ser para terminar o teatro do Museu de Arte Moderna e implantar o projeto Monumenta, da praça Tiradentes, que cria um centro de arte lindíssimo. Também destinaria recursos para recuperar o museu da Quinta da Boa Vista, que é fantástico. Isso melhoraria a performance cultural da cidade, sem precisar do Guggenheim, uma grife internacional. O Rio não precisa disso, já tem o Pão de Açúcar e o Corcovado.

O Museu de Arte Contemporânea, em São Paulo, também pretende construir uma sede e convocou dois arquitetos nacionais e dois estrangeiros para desenvolver projetos [depois da realização desta entrevista foi divulgada a escolha do trabalho do suíço radicado nos EUA Bernard Tschumi]. O diretor do MAC afirma que os profissionais brasileiros não têm experiência suficiente para fazer algo de impacto. Como o senhor vê essa questão?
Acho melhor eles chamarem um consultor de museus europeu ou norte-americano – que o MAC não tem – para fazer um bom programa. Aí, mil arquitetos do Brasil poderão fazer um belo projeto. Mas, primeiro, o MAC tem de saber o que quer. Talvez eles não saibam, e por isso ficam procurando uma imagem do prédio para dizer o que é. Mas há duas situações: ou o museu tem acervo e o prédio não é tão importante, ou não tem e precisa do edifício. Não sei qual o programa do MAC, se eles chamaram curadores e experts para discuti-lo, para debater o que pretendem, o que querem do arquiteto. Querem um cenário? Podem chamar um bom cenógrafo, uma boa grife e fazer.

O senhor acompanhou recentemente a aprovação do Estatuto da Cidade. Considera-o importante?
Embora útil, o estatuto está muito envelhecido. Ele não fala em informática nem em telecomunicações. Hoje, as redes só atendem às classes mais favorecidas, o que já dificulta o acesso a um instrumento que poderia ser uma possibilidade de upgrade para as classes menos favorecidas. Isso nem é discutido no Estatuto da Cidade, que ficou 20 anos no Congresso.

Qual sua opinião sobre a constituição do Colégio Brasileiro de Arquitetos? Há ambiente para isso?
É importantíssimo, deveriam ter constituído há muito tempo. Só o número de arquitetos já é suficiente para isso. Em todo o mundo é assim. Ou, então, desregulamente-se tudo. Os alemães estão deixando de regulamentar todas as profissões. (Por Adilson Melendez e Fernando Serapião)

 

Luiz Paulo Fernandez Conde, nascido no Rio de Janeiro, formou-se arquiteto em 1959 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Presidiu o IAB/RJ de 1974 a 1979 e foi diretor da FAU/UFRJ entre 1990 e 1992. Em 1993, foi nomeado secretário municipal de Urbanismo pelo então prefeito César Maia. Seu desempenho à frente da secretaria habilitou-o a disputar – com êxito – a eleição para prefeito do Rio de Janeiro em 1996. Candidato à reeleição no ano passado, foi derrotado por Maia.

 

Publicada originalmente na revista PROJETO edição 260 – Outubro 2001

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