aflalo/gasperini

Um dos mais tradicionais e produtivos escritórios brasileiros de arquitetura, o aflalo/gasperini, completou 50 anos de existência em 2012. O aniversário foi comemorado com festa mas também com trabalho intenso, de reestruturação empresarial, cujo empenho não para de render frutos. Solidez é a chave do seu sucesso, o que, em tempos de crises como a que atravessa o Brasil atualmente, gera igualmente novas perspectivas profissionais, de par com as perdas inevitáveis. Se, assim, a boa arquitetura que praticam se consolidou como o lado positivo da força motriz do mercado imobiliário, o que está hoje na mesa de trabalho dos sócios é, paralelamente à prospecção de novas frentes de atuação, a retomada de projetos singulares, como a escola que publicamos dentro desta seção Perfil.

 

Reestruturação foi o tema da mais recente entrevista que fizemos com os sócios do aflalo/ gasperini arquitetos, em julho de 2015 (leia PROJETO 424, de agosto de 2015). Nela, falamos sobre o amadurecimento da gestão empresarial do escritório que culminava, então, com a nova configuração societária – Roberto Aflalo Filho, Luiz Felipe Aflalo Herman, Grazzieli Gomes Rocha e José Luiz Lemos da Silva – e com a mensagem de que seus projetos são feitos coletivamente, não por autores individuais. O contexto da conversa era, assim, o do segundo momento sucessório na história da empresa, coincidente com a aposentadoria de Gian Carlo Gasperini, um dos fundadores do escritório, em 1962, junto a Plínio Croce e Roberto Aflalo.

Passado um ano desde o encontro da equipe de sócios com a PROJETO, o cotidiano dos arquitetos está agora oscilando em torno da acomodação à profunda crise pela qual passa o Brasil. “Fomos de quase 100 para 30 funcionários”, ilustra Grazzieli Gomes, o que já estava vislumbrado pelos sócios na conversa de 2015: “Nosso escritório navega de acordo com o vento. Já tivemos época de projetos governamentais, depois institucionais e sempre participamos, com intensidades diferentes, do mercado imobiliário”, assinalou há um ano Roberto Aflalo. Uma clareza que tem pouco a ver com intuição mas muito com a profissionalização da equipe – eles investiram tempo e dinheiro no desenvolvimento de ferramentas de gestão que, mês a mês, projeto a projeto, indicam quando é hora de mudar de direção.

 

Novos horizontes

Neste contexto, ao invés de projetos, o que está nas mesas de trabalho dos diretores é a prospecção de novos clientes, além dos afazeres relacionados à obras de trabalhos já finalizados. O que poderia incluir, não fossem os desmandos da crise, o acompanhamento dos cerca de dois milhões de metros quadrados de construção que detalharam no Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, mas que desapareceram do seu horizonte de negócios. “Não sabemos nem mesmo se os terrenos continuam vivos”, questiona Luiz Felipe, sinalizando o mar de incertezas em que navegam os arquitetos.

Em resposta às dificuldades, os sócios passaram a investigar novas possibilidades de atuação: contrataram uma pesquisa sobre cidades em crescimento – sobretudo as relacionadas ao agronegócio e outras, localizadas no interior de São Paulo, também, ainda que tardiamente, atingidas pela retração do mercado – e sobre empresas com perfil para contratar os seus serviços. Neste caminho, sentiram a presença do estigma – positivo por um lado, mas negativo quando afasta clientes – de que são arquitetos da grandíssima escala. O que foi verdade no passado recente – um movimento originário do final da década de 90, que tomou fôlego com as operações urbanas dos anos 2000 e cresceu exponencialmente com a euforia do mercado imobiliário a partir de 2008 -, mas que já não corresponde à realidade do escritório.

A seguir nesta matéria, por exemplo, apresentamos o projeto de uma escola, não de pequena escala, mas longe da metragem dos últimos empreendimentos com projetos do escritório. Nesse sentido, costumavam considerar de grande porte os trabalhos com cerca de 100 mil metros quadrados de área construída. Os pequenos, aqueles abaixo de 30 mil. Indicativos que passaram, respectivamente, para a ordem dos 20 e dos 2,5 mil metros quadrados, acompanhados ainda pela rarefação das obras corporativas, contrabalançada pelo aumento da recorrência das residenciais. Para Grazzieli, estas são circunstâncias desfavoráveis mas que provocam mudanças positivas, ao que emenda Luiz Felipe: “Na nossa longa história, sempre crescemos depois das crises. Elas nos forçam a sair da zona de conforto”.

Em síntese, o perfil dos novos clientes que os sócios do aflalo/gasperini estão prospectando é o de empresas familiares em processo de adaptação dos seus negócios à nova situação de mercado, e à recente legislação urbanística e das edificações de São Paulo. “Flutuamos em resposta a estas situações”, reflete José Luiz, complementando que também a velocidade dos projetos diminuiu em tempo de crise. Fato que traz consequências arquitetônicas, ele explica: “não existe mais aquela euforia de se vender tudo num final de semana. Os empreendedores estão buscando diferenciais para os seus projetos”.

Exigência que o escritório é capaz de atender com tranquilidade. Além de atuarem em equipe, o que diminui a margem de erro – os projetos partem da diretoria, passam por coordenadores e pelos demais arquitetos, gerenciados por um responsável do começo ao fim do processo, ou seja, desde os croquis iniciais até o detalhamento e acompanhamento de obra -, desenvolvem integralmente as suas criações na plataforma BIM, o que significa maior quantidade de informações reunidas nos desenhos arquitetônicos e técnicos e maior a competência dos profissionais.

 

 

 

Arquitetura e urbanidade

Seja qual for a escala, trabalhar para o mercado imobiliário é, para os arquitetos do aflalo/gasperini, criar cidades. O que eles buscam fazer com qualidade urbana. A respeito das novas regras do Plano Diretor de São Paulo, assim, Roberto Aflalo assinala que existe certo desconforto por parte dos empreendedores, relativo, por exemplo, à sua visão de que haverá uma super oferta de apartamentos idênticos nos eixos estruturais e de que existem ocasiões não favoráveis ao emprego da fachada ativa, ou seja, à criação de comércio nos térreos das edificações. Não que estas sejam imposições legais mas, como assinala Grazzieli, quando a legislação oferece instrumentos para se aumentar o potencial construtivo, os investidores querem aproveitá-los na íntegra.

Por outro lado, Roberto Aflalo tem argumentos para uma defesa parcial das novas regras paulistas: “ninguém tem dúvidas de que eram mudanças necessárias, como a do favorecimento do uso misto, cuja adoção se via dificultada pela legislação antiga. O problema é que foram alterações demais para um prazo curto e hoje, na prefeitura, ninguém mais é capaz de analisar os projetos.

Cada técnico, cada setor, tem a sua própria interpretação da lei. Além disso, certos impactos na cidade não foram analisados com a devida profundidade, sobretudo porque os processos são sempre restritos a uma gestão apenas, de quatro anos. Numa cidade complexa como São Paulo, deveria existir uma agência independente, que atuasse a longo prazo e de tempos em tempos interagisse com as administrações”.

Os sócios, no entanto, são unânimes em apontar a preconização, em projetos de sua autoria, de parâmetros do novo Plano Diretor de São Paulo. Na análise de Grazzieli, foram trabalhos desenvolvidos em resposta a certas dificuldades urbanas, como a do excessivo fluxo de carros e pedestres em torno do edifício Limited Funchal, próximo à estação de trem Vila Olímpia: “vimos que seria proveitoso prevermos comércio no térreo, e calçadas mais amplas, que aumentam a segurança dos pedestres”. Também para Luiz Felipe, obras como a do residencial no Brooklin (o Habitarte), com seu recuo frontal de dez metros, e a do FL 4300, foram quebrando a inércia do empreendedor a favor da maior abertura dos térreos para a rua. “Fizemos valer nossa visão de que o uso misto e a maior conexão do prédio com o espaço público geram segurança, dando maior vitalidade às construções”.

O arquiteto aponta ainda como importante neste processo a questão da disponibilidade de Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de Construção), setorizada por usos. “Os empreendedores foram mesclando programas a fim de aproveitarem o que o local oferecia de maior potencial de construtivo”, aponta Luiz Felipe, remetendo novamente à ideia de que as crises geram oportunidades. Uma abordagem que é válida também para o projeto que apresentamos a seguir, o da escola St. Nicholas, que foi idealizada inicialmente para um terreno urbano, no bairro do Morumbi, em São Paulo – com projeto do escritório De Fournier Associados -, mas que está finalmente sendo implantado pelo aflalo/ gasperini em terreno de Santana do Parnaíba, SP.

 

Entrevista

Como é trabalhar no terreno das suposições do mercado imobiliário?
Luiz Felipe Aflalo Herman Estamos sempre de prontidão, com sede de colocar na mesa um novo terreno ou projeto. Mas, no início, é um trabalho com grande dose de irrealidade, nem mesmo o terreno é do empreendedor. Então, fazemos um estudo rápido, baseado em um conjunto de suposições. Quando finalmente o cliente nos contrata e aquilo vira projeto, começamos a nos questionar sobre o que fizemos antes.
José Luiz Lemos da Silva Neto A cidade está se remodelando e novas áreas estão surgindo. Por vezes, começamos a trabalhar com três hipóteses de terreno para um mesmo projeto. É difícil o cliente chegar com o lote já pronto para nós.

Vocês fazem por vezes, então, as vezes do empreendedor?
Grazzieli Gomes Rocha Sim, faz parte do nosso escopo tomarmos decisões que impactam no produto final, como o tamanho das lajes por exemplo. De qualquer forma, mesmo sendo mais indefinido este nosso campo inicial de trabalho, acho que o nosso processo é próprio do arquiteto, de querer melhorar sempre.
Roberto Aflalo Filho Todas as boas soluções tem valor agregado. As vezes é uma pena perdermos o exercício, mas é sempre possível resgatá-lo em outro trabalho.
LF A experiência não morre. Fomos adquirindo uma visão de maior alcance, para elucidarmos algo que está além da encomenda do cliente.
RA Existe a área imobiliária, com sua dinâmica própria. Participamos de especulações, criamos tabela de áreas, a volumetria do prédio, sua linguagem, uma sequência, enfim, para tornar o trabalho cada vez mais real. Mas a incerteza é inerente ao projeto. Ele é um balão de ensaios de algo que vai acontecer no futuro. Quando você consegue materializar algo é que o cliente entende o projeto e, para ele, então, surge algo de valor.

O que é esse algo palpável?
JL Para alguns, uma imagem, para outros, uma planta. Alguns querem entender os fluxos, outros querem ver números. Nesse momento inicial, então, é sempre importante entender o que é fundamental para cada cliente para fazermos o trabalho evoluir.
LF Houve uma grande transformação na arquitetura. Antes, você podia trabalhar isolado numa ilha, com um papel e uma lapiseira. Mas o nosso escritório foi ganhando um corpo ferramental, que traz um conteúdo muito grande. E, em resposta, o cliente foi esperando receber sempre mais. Um bom projeto tem que ter diferenciais, e o cliente, então, quer ver tudo. É um processo desgastante.

O cronograma é inimigo dos projetos para o mercado imobiliário?
RA Você está construindo a cidade mas, por outro lado, tem que dar soluções muito rápidas. Esse é um dilema nosso, pensarmos que nossa responsabilidade de arquiteto é fazer a interface entre os valores culturais, urbanísticos e a viabilidade dos projetos.
GG Mas o imediatismo faz parte do jogo.
LF E a reflexão é importante, sempre. A sensação é de que estamos vivendo muito perigosamente.

 

aflalo/gasperini: St. Nicholas School, Santana de Parnaíba, SP

aflalo/gasperini: Hotel Terras de São José, Itu, SP

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