Programa Vivenda

Os kits que o Programa Vivenda - criado por Fernando Assad, Igiano Lima de Souza e Marcelo Coelho - comercializa em sua loja no Jardim Ibirapuera, em São Paulo, para a realização de reformas e melhorias de habitações que, muitas vezes, não possuem documentação legal de posse, são financiados em até 30 vezes. Recursos para o financiamento foram captados com a emissão de debêntures - aplicações de renda fixa, com a concessão de empréstimo para uma empresa -, bem aceitas pelo mercado de capitais. Prestações precisam caber no orçamento do público de baixa renda

“Tira xerox? É restaurante? Vende chip de celular?” Algumas dessas perguntas foram feitas por moradores do Jardim Ibirapuera, bairro da zona sul de São Paulo, quando o Programa Vivenda abriu sua loja na região. Até então, o empreendimento – classificado conceitualmente como negócio social de impacto e que tem como sócios fundadores o administrador de empresas Fernando Assad, o arquiteto Igiano Lima de Souza, e o historiador Marcelo Coelho – funcionava na sede da Associação Bloco do Beco, organização não governamental que atua naquela região.

A loja física era mais uma etapa de uma iniciativa que teve início no final da década passada, quando os três atuavam em uma consultoria que participava de um projeto de urbanização da Companhia Habitacional de Desenvolvimento Urbano (CDHU), no Jardim Pantanal, zona leste de São Paulo. Como em outras intervenções em áreas habitadas por populações de baixa renda, o foco era direcionado para aspectos urbanos, construção de novas habitações e equipamentos públicos. Reformas e melhorias nas habitações existentes não eram cogitadas.

“O morador acordava de manhã, saía de casa e via o novo bairro. De noite, quando retornava, voltava para a mesma casa, úmida, sem janelas e sem banheiro adequado”, recorda Assad. Depois de estudarem e debaterem o tema, o trio considerou a possibilidade de formatar uma alternativa que pudesse mudar a situação e suprir essas demandas, processo que acabou se tornando uma espécie de embrião do Vivenda.

Kits de reforma no Jardim Ibirapuera

Ainda sem a constituição formal do negócio, os sócios foram convidados a participar de um programa de aceleração da Artemisia (organização sem fins lucrativos que atua no fomento de negócios de impacto social), concluído ao final de 2013 – em abril de 2014, o Vivenda se instalou no Jardim Ibirapuera. Ao conhecer o propósito, a liderança da Associação Bloco do Beco colocou-se à disposição para ajudar no processo de estruturação conceitual do programa. “O Bloco do Beco lastreou a nossa presença no local”, reconhece Assad.

Ao se instalar naquele bairro, a intenção era oferecer aos moradores das habitações precárias que se espalham pelas imediações (as favelas da Erundina, Felicidade e Jardim São Francisco fazem parte do bairro) a possibilidade da realização de reformas planejadas – uma primeira loja foi aberta para oferecer esse serviço -, com o diferencial de que as reformas (envolvendo o projeto e a obra) seriam executadas de forma rápida: não mais do que 15 dias. Atualmente, os serviços são oferecidos em cinco opções de kits (banheiro, cozinha, área de serviço, quarto e sala). “Queríamos saber se o nosso produto era viável e se as pessoas teriam interesse nele”, conta Assad.

Foram incialmente produzidos cerca de 100 kits para testar a aceitação, com recursos captados com doações. Às famílias mais vulneráveis, as reformas foram doadas. Das pessoas que tinham condições de arcar com os custos foram cobrados materiais e serviços. No primeiro ano, 90% das obras foram realizadas com recursos de doações. Entre 2014 e 2015, o “produto” foi validado. “Vimos que o pessoal gostava muito e que o impacto era grande”, afirma Assad.

O passo seguinte consistiu em aprender a vender o produto/serviço. Uma vez que o objetivo do Vivenda é contribuir para reduzir o déficit qualitativo das habitações, era necessário ganhar escala, algo que não se sustentava só com doações. Foi então que os sócios do Vivenda constataram que, para vender para essa faixa da população, era imprescindível contar com financiamento. “As parcelas precisam ser baixas, mas nenhum banco financia esse tipo de serviço, ainda mais porque estamos falando de um público que, na maior parte das vezes, não tem sequer a matrícula do imóvel”, observa Assad.

Debêntures para financiar baixa renda

Depois de constatarem que os bancos comerciais não destinaram capital para esses financiamentos, os sócios do Vivenda acabaram sendo “adotados” por um outro parceiro – a aceleradora de negócios Dínamo – que auxiliou a estruturar um modelo de financiamento ancorado no mercado de capitais. No início de 2018, foram então emitidos títulos de crédito (debêntures) para financiar as reformas para populações de baixa renda. Segundo Assad, esse papel é considerado a primeira debênture de impacto social no Brasil.

O valor captado com os títulos é suficiente para realizar melhorias em cerca de oito mil casas. As reformas são financiadas em 30 meses. “Quando iniciamos o processo, percebemos que se o prazo fosse de apenas 15 meses só chegaríamos à ‘elite’ da periferia”, conta Assad. Nessa faixa da população, parcelas não podem ser superiores a R$ 200 reais, ele explica. Com os recursos para financiar as reformas, o ano de 2018 foi de aprendizado sobre a venda do “produto”. “Estamos chegando ao final do ano com a missão cumprida”, considera Assad.

O Vivendas dispõe atualmente de uma equipe comercial, que atua de porta em porta, faz uso de estratégias digitais de divulgação, mas, na periferia, o que funciona mesmo é o boca a boca. No mais recente levantamento sobre inadimplência dos contratos, o índice estava em 0,5%.

Até meados de novembro, o programa havia realizado cerca de 1.200 obras. Hoje, além das equipes de vendas e apoio, cerca de 20 pessoas (incluindo arquitetos), o programa conta com uma rede de 35 pedreiros qualificados. “Antes, quem trabalhava no bairro, era o pedreiro ‘meia colher’. O bom profissional estava no Itaim, construindo torres”, afirma Assad.

“Esse foi outro paradigma que quebramos. Hoje o pedreiro que vem trabalhar com o Vivenda recebe mais do que ganhava na construtora e trabalha no bairro em que mora. Esse cara não quer mais nos largar. Prefere ficar um tempinho parado para poder trabalhar com as obra do Vivenda”, garante Assad. Também as indústrias da construção começaram a se aproximar do programa.